Crônica: resistência pela fé
Desde que o Edifício Andréa desabou, às 10h30 da terça-feira (15), até o anúncio do fim das operações de resgate da nona vítima, às 17h30 de sábado (19), foram 103 horas. Uma maratona física e emocional que envolveu muitos atores. Os olhos do Brasil se voltaram para o número 2405 da Rua Tibúrcio Cavalcante, no bairro Dionísio Torres. Vítimas, familiares, amigos, bombeiros, voluntários, jornalistas e uma legião de pessoas que aguardavam por boas notícias.
Para nós, profissionais da imprensa que trabalhamos na cobertura dessa grande tragédia, o desafio se impunha a cada momento. Acompanhar as buscas, ir atrás de respostas, descobrir quem eram os moradores daquele endereço, levantar o debate de como o poder público conseguiria proteger a população de novos desastres do tipo, contar histórias de vida e morte. Essa era nossa missão. Soterrados por um volume enorme de informação e a divulgação de tantas perdas, também buscávamos na esperança o oxigênio para continuar numa rotina extenuante.
Estar nos arredores do local da tragédia era também compartilhar sentimentos. Angústia da espera, alegria a cada anúncio de sobreviventes, esperança no silêncio que poderia indicar vida debaixo dos escombros, tristeza a cada declaração de uma vida a menos. Reportar nunca foi se distanciar, se abrigar em números, contar vivos e mortos. Em coberturas como essa, é impossível não sentir a dor do outro. É impossível não lutar para dar uma boa notícia.
No meio de tanto luto, ausências e dor, foi possível sentir também que a humanidade vive. A solidariedade e a empatia eram feitas concreto. Estavam nas mãos ensanguentadas de voluntários que retiravam destroços, no caldo servido por aqueles que se dispuseram a ajudar, na oração de quem ensinava que era preciso de ter fé. Todas as religiões numa comunhão tão necessária quanto bonita. Uma onda de cooperação e solidariedade que ameaçava a dor e convidava ao sorriso. Era o afago que nos salvava todos os dias.
O limite entre o proteger e o expor, entre o necessário e o espetáculo, entre a cobrança e julgamento nos jogava contra a parede a cada segundo. Parar, respirar, pensar e sentir. A responsabilidade pelo sentimento do outro foi sempre balizador. Mas, muitas vezes, nos deixamos desprotegidos pelo nosso próprio sentir.
O fim da operação, com honras fúnebres prestadas pelos Bombeiros aos nove mortos do desabamento do Andrea e a distribuição de flores brancas aos homens e mulheres que se dedicaram ao salvamento das 16 vítimas, fechou os cinco dias de operação com uma imagem muito simbólica. Abraços, choros e agradecimentos ganharam destaque e deixaram o monte de entulho para trás. Apesar de não conseguirmos dar a tão sonhada notícia de novos sobreviventes, pudemos reportar que os fortalezenses nunca sentiram tanto o outro quanto nos últimos dias. Sentir também é deixar vivo!