Como a mobilidade de Fortaleza mudou na última década

Um acréscimo de mais de 400 mil veículos nas ruas. Grupos crescentes de ciclistas pela cidade. Espaços exclusivos para ônibus. Permanecem os desafios da redução de congestionamentos e maior integração entre modais

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Transformação da Capital passa por instalação de corredores para ônibus e novas estruturas
Foto: Thiago Gadelha

A frota de veículos automotores em Fortaleza cresceu de 712.996, em 2010, para 1.147.194 até agosto de 2020, conforme dados compilados pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Os 434.198 veículos a mais, percentualmente, representam um crescimento de 60,9% entre os anos que marcam o início das décadas. Mas, na prática, o maior fluxo nas vias urbanas da Capital exige paciência para driblar engarrafamentos constantes e a montagem de um quebra-cabeças com múltiplas variáveis, para a gestão da mobilidade.

Ao todo, são 612.481 carros e 316.032 motocicletas circulando em 2020 - aumento de 44% e 102%, respectivamente, em relação a 2010. Irapuan Peixoto, sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos de Política e Cultura da Universidade Federal do Ceará (Lepec/UFC), considera que, em longo prazo, se a progressão permanecer semelhante, o tráfego tende a se tornar "danoso" e "afogado" como em cidades asiáticas de grande fluxo.

"Quanto mais se alarga uma avenida ou se constrói túneis, mais trânsito você gera. Aquela nova estrutura vai saturar sua capacidade e se tornar um novo problema. Um crescimento de frota desse só se resolveria com a criação de alternativas de uso", observa.

O secretário-executivo da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), Luiz Alberto Saboia, reconhece que historicamente Fortaleza herdou uma estrutura de vias estreitas e, portanto, sem grandes opções de ampliação "do ponto de vista prático e orçamentário". A saída foi destravar gargalos históricos, como a rotatória da BR-116 e o cruzamento das avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior.

"A solução não se faz em um governo só. Amsterdã, que hoje é uma cidade-ícone, no início da década de 1970 era orientada para automóvel. Foram necessárias quatro décadas de políticas continuadas, e o planejamento de mobilidade permaneceu. Claro que a população pode ter seu carro e moto, mas não pode ter investimento só para esses dois. Temos que pensar na maioria", salienta.

A visão é compartilhada por Bernardo Serra, gerente de políticas públicas do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). Na opinião dele, Fortaleza é a capital brasileira que mais tem se destacado em ações de mobilidade, ressaltando a expansão da malha cicloviária, o aumento de áreas específicas para o transporte público e a melhoria da segurança viária para evitar acidentes de trânsito.

Atratividade

Em 2020, a Capital lidera no Brasil no percentual (36%) de pessoas que vivem próximas de alguma infraestrutura cicloviária, conforme um indicador medido anualmente pelo ITDP. Em seguida, aparecem Belém (29%), Recife (24%), Salvador (20%), São Paulo e Rio de Janeiro (19% cada). Segundo o gestor, uma barreira que ainda precisa ser vencida para ampliar esse uso é típica do Nordeste: o calor.

"Hoje, Fortaleza é um exemplo, apesar dos desafios de desestimular o uso de carros, fazer mais conexões com o transporte público e dar mais prioridade a ele na via", aponta Serra. "Para a cidade em si, só carro é insustentável: não tem espaço, causa poluição e causa acidentes".

Irapuan Peixoto, da UFC, percebe que a Capital "ainda é voltada para o automóvel particular", apesar do "inegável fortalecimento de outros modais". Segundo ele, pesquisas sobre deslocamento realizadas pelo Lepec indicam que o automóvel ainda é o meio mais rápido na cidade, seja para estudar ou trabalhar. "Ou seja, a estrutura ainda é voltada pro carro e penaliza o usuário do transporte público", conclui.

O sociólogo acredita que o transporte público só se tornará realmente atrativo quando se puder "confiar" nele, sobretudo nos horários programados, na distribuição racionalizada de linhas (sem sobrecarregar determinadas vias) e na integração entre os modais. "Isso passa a ideia de que a pessoa vai perder tempo ao usar vários veículos, mas, na verdade, se os horários são planejados e cumpridos, ela pode cumprir um trajeto mais rápido que um carro".

Luiz Alberto Saboia, da SCSP, pensa que reduzir o tempo de viagem, investir na previsibilidade e o conforto são chaves para incrementar o uso. Por isso, segundo ele, a Prefeitura desenvolveu o aplicativo Meu Ônibus e instalou ar-condicionado e Wi-Fi na frota. Já para a bicicleta, são dois imperativos: "capilarizar e conectar". "Entre 80% a 90% dos usuários do Bicicletar utilizam o Bilhete Único. A receita é continuar implantando projetos que melhorem essa experiência", pondera.

Conforme o secretário-executivo, investir nos modais complementares "é bom pra todo mundo". No caso das bicicletas, ele destaca a economia, a não-emissão de poluentes e a prática de atividade física como principais benefícios.

Continuidade

Para Bernardo Serra e Irapuan Peixoto, as discussões para o futuro da mobilidade devem se debruçar não apenas sobre a estrutura, mas também nos serviços que os cidadãos desejam acessar. "O fim não é o deslocamento. Deve ser debate público reduzir o congestionamento e ter mais oportunidades perto de casa, que permitam às pessoas fazerem trajetos a pé ou de bicicleta", defende o gestor do ITDP.

Para o sociólogo da UFC, no plano ideal, a cidade deveria dispor de comércio, saúde, educação e cultura num raio próximo das comunidades, a fim de diminuir a necessidade de deslocamentos. "Uma cidade como Fortaleza não tem mais só um Centro; temos também a Messejana, o Montese, a Bezerra de Menezes, a Aldeota, ainda que desigual. Precisamos criar condições para que esses serviços se distribuam melhor", reflete.

Já o secretário-executivo da SCSP garante que os dois pontos são importantes. "Iniciamos o programa Meu Bairro Empreendedor, para dar um banho de urbanização em alguns deles e criar essa independência. Mas isso é para médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, precisamos olhar para os meios atuais e pensar na capacidade viária", diferencia.

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