Calçadas inacessíveis ainda dificultam locomoção e geram riscos

O debate sobre irregularidades em áreas de passeio é antigo e sintomático do processo de ocupação urbana de Fortaleza. A questão afeta, principalmente, pessoas com deficiência, com filhos pequenos, idosos e grávidas

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br
Legenda: A falta de sinais sonoros, pisos táteis e rampas prejudica pessoas cegas
Foto: FOTO: KID JUNIOR

Transitar pelas calçadas de Fortaleza muitas vezes não é uma tarefa fácil, principalmente pela falta de padronização. Fatores como desnivelamento, obstruções e a falta de pisos táteis e antiderrapantes causam riscos que atingem toda a população. Contudo, pessoas com deficiência, idosos, mulheres grávidas e pessoas com filhos pequenos acabam sendo os mais prejudicados.

Assim como a professora de italiano Rebeca Barroso, de 29 anos, que é cega e usa bengala como auxílio na hora de se locomover. No trajeto diário até o trabalho, ela enfrenta uma série de dificuldades, desde o transporte público até o caminho que faz a pé. "Não tem vias para a gente andar, quase nenhum lugar da cidade tem sinal sonoro, nas calçadas - quando são planas - as pessoas colocam lixo, são esburacadas ou têm carrinhos de lanche pelo meio", lamenta.

Devido à quantidade de obstáculos, a docente muitas vezes desiste de ir pela calçada e prefere andar na rua. Mas, em alguns casos, como avenidas movimentadas, essa opção não é possível. "Tenho normalmente que pedir ajuda de alguém que passa para me atravessar, mas pegar qualquer desconhecido por aí é um pouco complicado. Já aconteceram alguns episódios de pessoas que ficaram me seguindo, perguntando aonde eu ia", relata.

Em busca de uma melhor qualidade de vida, Rebeca Barroso criou a página no Facebook "Cão-Guia Fortaleza". O objetivo é chamar atenção para a demanda de cearenses cegos que precisam do auxílio desses animais. O serviço ainda não é oferecido no Estado.

O debate é antigo tanto para a população quanto para o poder público. Segundo a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), foram realizadas 2.908 fiscalizações apenas em 2018, resultando em 1.649 autuações e notificações.

Queixas

O problema motivou o Ministério Público a criar, em janeiro deste ano, a página no Facebook "Calçada para todos", com objetivo de receber denúncias da população sobre calçadas e vias públicas inacessíveis na capital. Em cerca de um mês, 43 queixas já foram encaminhadas à Agefis.

O promotor Eneas Romero, titular da 19ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, afirma que calçadas inacessíveis são ilegais há mais de 20 anos e atingem todos os bairros. "Temos denúncias desde (as avenidas) Santos Dumont e Dom Luís até (os bairros) Mondubim e Barra do Ceará. A situação não escolhe classe social, é generalizada", declara.

A manutenção das calçadas, consideradas áreas de passeio, é de responsabilidade dos proprietários, segundo o Código de Obras e Posturas do Município, inserido na Lei nº 5.530/81.

Em nota, a Agefis informa que, em casos irregulares, o dono do imóvel é notificado. "Após o prazo legal (de 30 dias que podem ser prorrogados por mais 60), caso a situação não esteja solucionada, poderá ser aplicada multa de R$ 86,57 a R$ 4.328,50, dependendo da gravidade e da reincidência", afirma.

Aproximadamente 70 ruas e avenidas de grande fluxo serão fiscalizadas pelo órgão até agosto, para a adequação dos passeios à acessibilidade. Para denúncias, é possível ligar para o telefone 156, utilizar o site oficial da Agefis ou o aplicativo Fiscalize Fortaleza, ferramenta disponível para aparelhos Android e IOS.

Acessibilidade

A rotina de Nairla Mara de Sousa, que sai do bairro Jacarecanga e faz um percurso que vai do Centro ao Benfica, também é marcada por adversidades quanto à mobilidade urbana. A estudante de Pedagogia, de 27 anos, possui uma lesão medular e precisa do auxílio de muletas para andar.

"As calçadas, como não têm uma padronização, costumam ter muitos azulejos e eles escorregam muito. Isso é bem perigoso por ter risco de cair, ter uma fratura", relata Nairla, também mencionando a falta de rampas, os desníveis e obstáculos como entulhos.

Para a estudante, é preciso haver "um pouco mais de conscientização das pessoas (e dos governantes) quanto à necessidade da acessibilidade", pois rampas e pisos adequados, como o tátil para pessoas com deficiência visual, "ajudariam bastante".

De acordo com o Caderno de Boas Práticas para as Calçadas de Fortaleza, previsto no Plano de Caminhabilidade da Cidade, e disponível no site da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), é possível conhecer especificações técnicas e sugestões sobre como construir calçadas acessíveis, além das áreas de passeio em geral.

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