Bombeiros relembram detalhes das operações no Edifício Andrea

Aposentado que voltou a trabalhar como voluntário, agentes veteranos e novatos na corporação descrevem momentos do chamado, dos resgates de vítimas e as lições que ficaram após tragédia sem precedentes no Estado

Escrito por Theyse Viana e Ricardo Mota , metro@verdesmares
Foto: Foto: Camila Lima

Na manhã do dia 15 de outubro, uma cobra circulava pelo bairro Edson Queiroz, prestes a ser capturada. Um grupo de mergulhadores participava de um curso, em outro ponto da cidade. Um aposentado assistia tranquilo à televisão de casa. Às 10h28, porém, a realidade virou. Ficou empoeirada, soterrada, atordoada pelas dezenas de chamados que informavam à Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) sobre uma possível tragédia: um prédio de sete andares havia desabado, no bairro Dionísio Torres. E havia pessoas nele.

A equipe do sargento Daniel Oliveira do Nascimento, 43, integrante do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) há 25 anos, foi uma das primeiras que chegaram ao cenário de destruição do que havia sido o Edifício Andrea. Apesar do preparo, o choque foi inevitável. "Nos desesperamos, porque não é comum no nosso Estado. (A princípio), disseram que ali tinha quatro a cinco vítimas", relembra Daniel. O número, infelizmente, quadriplicou.

Legenda: Bombeiros que trabalharam na operação de resgate do Edifício Andrea
Foto: Fotos: José Leomar / Natinho Rodrigues/ Thiago Gadelha

O primeiro a ser resgatado pela equipe foi Gilson Moreira, 58, que fazia compras no mercadinho atingido pelos destroços. "Ouvimos os gritos do senhor Gilson, e tinha o entregador de água a dois metros dele, já falecido. Foi muito difícil, porque a gente tava correndo um risco e começou a tentar tirá-los. O espaço era muito pequeno, conseguimos no finalzinho da tarde", recobra o bombeiro, se sentindo "grande não de ego, mas de espírito" após a operação histórica, considerada a mais complexa dos últimos 94 anos do Corpo de Bombeiros do Estado do Ceará.

Fôlego

Mais novo na profissão, com três anos e meio de atuação, o bombeiro Danilo Cidreira, 33, carrega vivos na audição, "coisa que nunca vai tirar da memória", os pedidos de socorro que ouvia nas primeiras horas de resgate: "tô aqui, tô aqui, me salva!". Ele estava a serviço, num curso para mergulhadores, quando o chamado chegou. Todos se fardaram e, por volta das 11h30, chegaram aos escombros do Andrea.

"Nossa equipe ajudou a retirar uma senhora, e depois foi ajudar o pessoal que salvou o Davi (Sampaio, estudante de 22 anos, morador do apartamento 102). Foi uma situação muito ímpar, a de ajudar, seja em resgate de um animal ou de uma pessoa. Ajudar quem precisava, acalmar, colocar em uma prancha. Não consigo descrever", assume Danilo, se sentindo, hoje, mais preparado para exercer o lema dos Bombeiros: "vidas alheias e riquezas salvar".

"A gente não pensa no cansaço, naquele momento. Só pensa em fazer o máximo para ajudar as famílias. Deus me ensinou a estar mais preparado, me colocou no lugar certo, porque havia pessoas debaixo dos escombros. E que, através delas, eu possa ajudar mais pessoas que precisarem", diz Danilo, como quem se coloca disponível ao outro.

Resgatar uma vítima com vida, além de alimento à esperança, era alívio à exaustão para os bombeiros envolvidos nos trabalhos, como testemunha Maria Leoniza de Brito, 27, uma das cinco mulheres "na operacionalidade" do CBMCE, como ela mesma contabiliza. "Foi bastante difícil e complexo, mas quando a gente vê que consegue resgatar uma pessoa viva, o cansaço vai ficando um pouco de lado. Não tem como explicar o sentimento de participar de uma operação dessas, a importância de dar satisfação para as famílias ou possibilitar a última homenagem a quem faleceu", declara a bombeira.

Assim como Daniel, Leoniza não pestaneja ao afirmar que um dos maiores crescimentos que a operação proporcionou foi pessoal. "Esse tipo de ocorrência traz melhoria profissional, sim, mas engrandece do ponto de vista espiritual. O aprendizado que ficou pra mim é sempre estar mais presente com a minha família. Viver os momentos o máximo que eu posso, porque a gente nunca sabe quando a nossa história pode ser interrompida", emociona-se, reforçando também que o laço entre os colegas, que se incentivavam durante os trabalhos, se fortaleceu, sendo "combustível para não parar".

Retorno

A vocação para servir e o sentimento de cumplicidade que une a corporação foram o que moveu Maurício Assunção de Sousa, 59, a vestir a farda guardada há nove anos, ignorar a aposentadoria e se apresentar ao comandante Luís Eduardo Holanda, líder das operações do Andrea, após ver imagens do desastre "inédito na história do nosso Ceará" pela TV. Para ele, "quem abraça a causa, sempre vai ser bombeiro".

"Você passa a viver o dia a dia, e a cada serviço prestado, a cada ocorrência, é um aprendizado e uma emoção diferente. Cada uma tem o seu valor. E o que motiva essa minha disponibilidade é exatamente o gostar de fazer o serviço em prol de alguém que necessita", ensina Assunção, com experiência e respeito ímpares ao Corpo de Bombeiros. A equipe a qual ele serviu foi responsável pela retirada de sete corpos dos escombros, inclusive o último, da síndica Maria das Graças Rodrigues - momentos que o marcaram de forma irreversível.

"Era muito difícil quando a gente fazia aquele trabalho de quebrar laje, tinha uma emoção extrema (ao ver uma vítima) e parecia que ela ainda estava viva, mas não. Fomos com cuidado e preocupação, para não machucar. De todo modo, ali era uma resposta para os familiares", consola-se o aposentado, sempre "grato a Deus" pela saúde e pela oportunidade de ser "duas mãos a mais" numa operação de alta complexidade como essa.

A lição que ficou para ele é muito mais sobre o futuro do que sobre o que passou. "As pessoas precisam se prevenir mais para que tragédias como essa não venham mais a acontecer. Apesar de muito amparo, ainda falta serviço de prevenção. Uma situação dessa marca muito, tanto para as pessoas que ficaram lá, trabalhando, como para as que foram atingidas. Que se previna isso", alerta.

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