Aulas remotas: 9 a cada 10 professores do CE não tinham experiência

Pesquisa aponta ainda que cerca de 62% dos docentes cearenses não têm recebido formação ou suporte para desenvolver trabalho online durante a pandemia; especialistas avaliam prejuízos ao processo ensino-aprendizagem

Escrito por Theyse Viana / Cadu Freitas , metro@svm.com.br
Legenda: Com velhas salas vazias, ambiente virtual desafia professores e alunos
Foto: Fabio Lima

As mudanças impostas pela pandemia de Covid-19 afetaram, em absoluto, todos os setores da sociedade, evidenciando o despreparo de muitos deles diante da crise sanitária. A Educação, então, foi uma das mais impactadas, com uma guinada de 180 graus na rotina de professores e estudantes. Entre os profissionais do Ceará, 91% não tinham experiência alguma com ensino remoto antes da pandemia - e outros 62% afirmam que não estão recebendo formação ou suporte das instituições para o trabalho online.

Os dados são da pesquisa "Trabalho Docente em Tempos de Pandemia", realizada em diversos estados do País pelo Grupo de Estudos Sobre Política Educacional e Trabalho Docente (Gestrado/UFMG), em parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Quase 16 mil professores responderam ao questionário online, entre 8 e 30 de junho, 2.235 deles cearenses, sendo esta maior amostra entre todos os estados.

O estudo buscou informações sobre condições de trabalho, relação com estudantes, formação profissional e impactos na saúde mental dos docentes no cenário atual. A maioria (84%) das respondentes foi de mulheres; e 89% atuam em escolas municipais, 5% em estaduais, outros 5% em ambas, e 1% em federais. Além disso, 41% dos professores lecionam nos anos finais do ensino fundamental, 29% na educação infantil e outros 22% nos anos iniciais do EF.

O resultado principal foi o retrato, em números, dos impactos de uma adaptação forçosa e repentina ao ensino online, sem formação prévia dos professores, como avalia Adriana Borges, professora e pesquisadora do Gestrado.

"Nesse momento, é como se eles tivessem que trocar o pneu com o carro em movimento. A tecnologia sempre foi subutilizada nos sistemas educacionais. E a questão não é só utilizar os equipamentos, mas como estabelecer um processo educacional com um aluno que não está presente. Os professores não foram ensinados", pondera.

Além das formações inicial e continuada deficientes no que tange à utilização da tecnologia para o ensino, os professores não têm tido suporte no momento atual: para 61,9% deles, o processo de dar aulas online no Ceará é tocado por conta própria. Outros 16,4% dizem ter acesso a tutoriais online sobre como utilizar as ferramentas virtuais; 9,5% têm formação oferecida pela Secretaria da Educação; 7,2% são assistidos por outra instituição; e 4,9% pela própria escola.

"Uma coisa é os professores não terem tido essa formação anteriormente. Mas pensar que no momento atual eles estão sendo convocados para realizar essas mudanças e não estão recebendo suporte é bem complicado. Nesse momento de crise, é necessário que as secretarias deem suporte", frisa a pesquisadora, apontando ainda que esse "despreparo" aumenta a sobrecarga. De acordo com a pesquisa, mais de três a cada quatro professores afirmam que o tempo de planejamento das aulas remotas aumentou.

Em nota, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) garante que "tem apoiado alunos e educadores para o uso de aparatos tecnológicos a fim de facilitar a conexão e a operacionalização dos recursos digitais neste período de ensino domiciliar". Segundo a Pasta, um "Guia de Apoio aos Estudos Domiciliares" foi criado "com o objetivo de compartilhar estratégias pedagógicas para estabelecer rotinas de estudos e de aprendizagem".

Ainda conforme a Secretaria, têm sido ofertadas "oficinas voltadas aos professores sobre planejamento de aulas virtuais, para dar suporte a educadores e escolas no processo de migração emergencial para ensino remoto".

A Secretaria Municipal de Educação (SME) de Fortaleza também foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Reflexos

Para Carmensita Matos, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em formação de professores e trabalho do educador em sala de aula, o cenário "não surpreende". "Antes da prioridade de trabalhar da forma remota, há outras tantas na educação brasileira que não foram atendidas ainda. Como se esperar que essa já tivesse sido atingida, do ponto de vista de os professores estarem preparados para ela? Não só os professores, mas uma boa parte dos profissionais não estava preparada".

Os alunos também não estavam. Prova disso é que 82% dos professores cearenses que participaram da pesquisa do Gestrado concordam que a participação dos estudantes diminuiu durante as aulas remotas, principalmente porque não têm acesso à internet ou aos demais recursos. O impacto do cenário na aprendizagem, segundo Adriana Borges, é certeiro.

"As desigualdades sociais e educacionais vão aumentar muito. Além do acesso desigual dos alunos à tecnologia, a falta de formação e experiência dos professores com o modelo de ensino remoto reflete no aprendizado. Vai demorar pra gente recuperar e reorganizar todo o contexto da educação", estima.

Danyelle Nilin, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFC e pesquisadora do Laboratório de Estudos em Política, Educação e Cidade (Lepec), destaca que é "muito cedo" para avaliar a aprendizagem dos estudantes. "Há outros fatores além dos tecnológicos que influenciam. É um momento muito atípico, as famílias vivenciam a pandemia de forma diferente. Os alunos mais pobres têm mais dificuldades de acesso, com instabilidades e plano de dados deficientes, mas encaram, além disso, o desemprego, as mortes na família", pontua.

Questões específicas e pessoais também afetam os profissionais: metade deles admite compartilhar recursos tecnológicos com outras pessoas, em casa, e 21% consideram ser "difícil" ou "muito difícil" lidar com as tecnologias necessárias às aulas remotas. "Provavelmente, a partir da experiência atual, haverá uma demanda por parte dos professores e da sociedade de que eles tenham uma formação melhor. Mas o ensino à distância jamais vai substituir o presencial. A interação professor-aluno e a organização escolar são fundamentais", conclui a pesquisadora do Gestrado/UFMG.

A professora de língua portuguesa Paula Forte (nome fictício), 53, concorda. Docente há mais de duas décadas, Paula leciona em uma escola municipal de um distrito da Região Metropolitana de Fortaleza, e precisou comprar até um celular novo para dar conta das novas exigências. O auxílio por parte da Instituição não é suficiente. "Minha menina mais nova é que me ajuda a gravar os vídeos, ajeitar o que eu ainda não sei. Já aprendi muita coisa! Mas prefiro mesmo é estar junto com os meninos, na sala", reconhece.

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