O que esperar da reformulação da Justiça do CE em cinco anos
Com base no avanço digital e na virtualização, o Tribunal de Justiça quer acelerar julgamentos e economizar recursos. A promessa é transformar o atendimento judicial e o acompanhamento de processos na Capital e Interior
Desde a última sexta-feira (13), todos os processos que entram na Justiça do Ceará passam a tramitar obrigatoriamente no modo virtual. Isso significa que os documentos referentes às novas ações judiciais no Estado não terão mais os julgamentos sob a mesma rotina burocrática vista desde a época em que o Brasil se organizou juridicamente na sua construção como País.
Mais do que economia de papel, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará quer, com a decisão, iniciar um processo de reestruturação no Estado. Serão cinco anos da implementação de uma nova visão de julgamento e acompanhamento de processos. A resolução aprovada pelo pleno do Tribunal deve ser publicada ainda nesta semana.
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Em 2017, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou projeto do TJ de remoção de comarcas. Polêmica, a medida é vista hoje pela presidência da Corte como uma das saídas para acelerar os julgamentos e retirar o Estado de uma zona desconfortável em relação ao País quanto à morosidade.
“O processo judicial eletrônico, só por ser eletrônico, é 30% mais rápido. Onde está a rapidez? Imagine um processo físico. Eu sou juiz. Eu despacho o processo à mão e coloco aqui. Vai esperar que alguém venha e leve para outra mesa para alguém fazer algo. No processo eletrônico eu despacho e já vai para aquela fila de trabalho de outra pessoa em outro computador”, diz o presidente do TJ, desembargador Washington Araújo.
Para ele, o novo planejamento busca alcançar eficiência e celeridade. “O modelo que temos hoje foi concebido no passado, numa época em que o processo era físico. Os nossos antepassados que conceberam esse modelo de organização judiciária não tinham como imaginar o fim do processo físico”, diz.
Esse novo modelo é o de agregação de comarcas, em nova era. Ou seja, quando uma unidade de menor fluxo, e por muitas vezes sem juiz, passa a pertencer a outra de maior demanda. Serão, pelo menos, 40 adotando esse modelo nos próximos cinco anos.
Alexandre Sá, juiz auxiliar da Presidência, explica que portarias serão emitidas pelo TJ apontando quais municípios receberão as primeiras ações da reestruturação. A reportagem apurou que isso deve começar a acontecer no início de 2020. A comarca que estiver entre as relacionadas deixará de receber processos automaticamente. Uma força-tarefa, com o apoio do núcleo de produtividade remota da Capital — constituído de 20 juízes —, se concentrará nesses casos, ao lado do juiz que já trabalha no local, para tentar eliminar esses processos.
“Em vez de ter apenas aquele juiz, a comarca vai ter o juiz e a equipe remota. Só vamos passar para outra unidade quando mostrar para a sociedade esse efeito positivo. Quando entendermos que aquele acervo está equacionado, a administração vai poder passar para uma nova fase”, explica Sá. Enquanto o fluxo da comarca, em processo de agregação, está bloqueado, novos casos serão remetidos às comarcas que agregarão essas unidades.
Segundo Sá, quando houver a portaria definindo as unidades que receberão inicialmente as estratégias de reestruturação, vai ser possível ter “um quantitativo de processo para ser trabalhado”. Segundo ele, “vai ser mais fácil estabelecer metas executáveis ao longo de um período”.
Videoconferência
O modelo que será adotado no Ceará não é novidade em outras unidades da Federação, mas também possui elementos que são resultados de estudo científico feito aqui mesmo no Estado.
Para o juiz auxiliar da Presidência do Tribunal, Ricardo Alexandre, não haverá prejuízo para a população com as mudanças, tendo em vista que os fóruns das cidades continuam funcionando. O atendimento será feito por lá, inclusive com o método da videoconferência.
“Todas as manifestações contrárias que tenho acompanhado estão baseadas no ‘eu acho’. O presidente está garantindo um documento, aprovado pelo plenário, que não vai fechar fóruns, que as audiências serão feitas por vídeo, que não precisará de deslocamento. Haverá atendimento básico no fórum da sua cidade, inclusive com toda a manutenção e infraestrutura que tem hoje. O advogado continua tendo local, a pessoa pode se deslocar para ter acesso ao processo”, argumenta.
Órgãos
Procurada para comentar o anúncio do TJ, a assessoria de imprensa do Ministério Público do Estado do Ceará disse que “ainda vai avaliar o impacto desse processo no âmbito do Sistema de Justiça. Só depois a instituição irá se pronunciar”.
A Defensoria Pública, também por meio de sua assessoria, afirmou à reportagem que, para o órgão, as medidas anunciadas não deverão ter impacto no trabalho dos defensores públicos, tendo em vista que, das 40 unidades que serão o alvo da Corte, a instituição tem representantes apenas em Icapuí.
Através de nota, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará, Erinaldo Dantas, afirmou que “a função da OAB é defender a advocacia e a sociedade” e que “se o projeto de reformulação judiciária do Tribunal de Justiça do Ceará não beneficiar os advogados e advogadas, efetivamente, não iremos concordar”. “Podemos antecipar que já não concordamos com o fechamento de comarcas, como o caso de Icapuí, Ipaumirim, Orós, Parambu, Mucambo, entre outras, e vamos apresentar essas críticas e propostas ao TJ, com todos os representantes de subsecções da OAB em todo o Estado do Ceará”, disse o presidente.
Ainda de acordo com Erinaldo, “o Judiciário é um serviço essencial à cidadania, assim como a advocacia é essencial à Justiça, exatamente por ser o canal da sociedade com a Justiça estadual. Assim, qualquer obstáculo no exercício de nossa profissão, constitui dificuldades no acesso à Justiça e violação a preceitos básicos da cidadania brasileira”.
A reportagem procurou ainda a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), mas não recebeu retorno até o fechamento da edição.
Etapas da reestruturação
1 - A reforma, de longo prazo, é prevista para ser concluída em cinco anos<MC1>. Será efetivada em etapas, por comarcas previamente definidas.
2 - os casos novos das comarcas agregadas passarão a tramitar nas comarcas agregadoras após portaria da Presidência para a região. As comarcas não contempladas permanecerão com seus acervos e casos novos tramitando normalmente em suas dependências.
3 - Os fóruns das comarcas agregadas, mesmo após o término do acervo processual, continuarão abertos, atendendo à população da respectiva cidade, que não precisará se deslocar para comarca agregadora.
4 - As audiências serão feitas por videoconferência. Os servidores que hoje residem na comarca agregada poderão permanecer trabalhando nos fóruns dessas unidades.