Com pautas importantes no Congresso, Bolsonaro cria nova crise
O compartilhamento de um vídeo em apoio a protestos contra o Congresso Nacional e o STF acendeu o alerta sobre atitudes do presidente da República. Parlamentares cearenses saíram em defesa das instituições democráticas
Às vésperas de serem retomadas discussões importantes no Congresso Nacional, como as reformas tributária e administrativa e a votação de vetos sobre o orçamento impositivo, o presidente Jair Bolsonaro desencadeou nova crise entre os poderes. O apoio do chefe do Executivo à manifestação marcada para o dia 15 contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) gerou repúdios e repercutiu negativamente entre deputados, senadores e ministros.
Após repercussão negativa, Bolsonaro disse ontem a aliados e a auxiliares que não está incentivando o protesto e que apenas reencaminhou, em um grupo privado, vídeo que lhe foi enviado. O material convoca a população para ir às ruas defendê-lo. Além da pauta em defesa do presidente, o grupo que organiza a mobilização levanta bandeiras contra o Congresso e o STF.
Para parte dos congressistas cearenses, o posicionamento do presidente se agrava por coincidir com um período em que, no Ceará, policiais militares descumprem as normas da Constituição Federal em motim que já se estende por mais de uma semana.
"Um dos pilares de qualquer democracia é a separação dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. Cada um serve de limite aos demais para evitar abusos e tendências autoritárias que coloquem os interesses de alguns acima dos interesses dos demais", disse Idilvan Alencar (PDT). "Ele prega desobediência à Constituição Federal, mesma linha do movimento (dos policiais)", pontua.
O líder do PDT na Câmara, André Figueiredo, afirmou que há uma mobilização de lideranças no Congresso para definir uma posição contra a postura de Bolsonaro. "Os partidos e os líderes das bancadas estão se mobilizando para que a gente possa dar um freio em toda essa tentativa de ruptura democrática", sustentou.
O senador Prisco Bezerra (PDT) também repudiou a ação. "Manifestações populares que demonstram insatisfações são legítimas, desde que pautadas pelos limites estabelecidos pela nossa Carta Magna, que prevê a ampla liberdade de expressão, mas também estabelece de forma inexorável o respeito à democracia e às instituições como dever de todo cidadão brasileiro".
O deputado Dr. Jaziel (PL), aliado do presidente, disse não acreditar no episódio. "Alguém deve estar usando o nome do presidente indevidamente", afirmou. Ainda assim, ele destacou que "esse não é um caminho viável. O Congresso é um dos sustentáculos da democracia. Ele chegou à Presidência porque estamos num País que tem uma democracia consolidada".
Especialistas
Para o cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador de pesquisas sobre qualidade da democracia, a atitude de Bolsonaro em divulgar vídeo que convoca manifestação contra outros poderes deve ser "examinada sobre os princípios constitucionais". "A divulgação pelo presidente da República é um grave atentado à democracia e tem que ser tratada dessa forma pelas instituições", disse José Álvaro Moisés.
A jurista e pós-doutora em teoria jurídica, Soraia da Rosa Mendes, aponta o risco de agravamento na crise da Segurança Pública, inclusive no Ceará, com apoio do presidente a manifestações que vão de encontro à Constituição.
"Não temos como pensar em um País que se construa de forma livre, justa e solidária, o que está no texto Constitucional, se não for em base democrática, que significa a existência da função regular das instituições democráticas e com o povo com direito de tomar as ruas e de decidir seu voto, e onde tenhamos um estado de segurança, e não de medo imposto por grupos que fazem do terror o combustível maior", disse Soraia.
Para a jurista, atitudes como a dos policiais no Ceará e episódios de terror em outros estados, com a presença de milícias, "têm uma força pelas palavras do comandante maior da Nação, que diz que o Congresso e o STF podem ser fechados", ressalta.
Pautas
A nova crise com o Congresso acontece enquanto o Poder aguarda o envio da PEC que trata da reforma administrativa, assinada por Bolsonaro às vésperas do Carnaval.
Outra pauta já prevista para os próximos dias é a análise do veto à proposta que torna obrigatória a execução das emendas orçamentárias do relator-geral do Orçamento. Pelo texto vetado, as emendas passariam a ser executadas seguindo as indicações e ordem de prioridade definidas pelos autores. Se derrubado o veto, o Poder Executivo terá reduzido o poder de controle sobre a destinação das emendas.
Oposição reage com ameaça de pedido de impeachment
O temor de que o convite de Jair Bolsonaro, enviado para amigos no WhatsApp, para uma manifestação contra o Congresso no dia 15 de março, atrapalhe o avanço das reformas azedou o clima político em Brasília. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou respeito às instituições democráticas. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se calou, e membros da oposição falaram em impeachment do chefe do Executivo.
“Só a democracia é capaz de absorver sem violência as diferenças da sociedade e unir a nação pelo diálogo. Acima de tudo e de todos está o respeito às instituições democráticas”, escreveu Maia em suas redes sociais.
“Criar tensão institucional não ajuda o País a evoluir. Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir”, acrescentou.
Há uma pressão de legendas de oposição para que seja dado início a um pedido de impeachment. A maioria dos líderes dos partidos, porém, não endossa a tese.
Ex-aliado de Bolsonaro, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) diz que encomendou a um grupo de advogados a elaboração de um pedido de impeachment com base no artigo 85 da Constituição.
O texto estabelece, entre os crimes de responsabilidade do presidente da República, o de atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário.
No Senado, o líder do PT, Rogério Carvalho (SE), cobrou uma posição mais enérgica dos demais Poderes.
O senador falou que Bolsonaro pode ter cometido um crime de responsabilidade.
Carvalho afirmou que vai se reunir com as demais lideranças da oposição no Senado na semana que vem para decidir se ingressam com um pedido de impeachment.
Líder do Governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), minimizou o caso. “Não quero criticar se está certo ou errado (sobre os atos do dia 15), mas após a fala do presidente seria prudente voltar à pauta anterior”. Para o líder do Governo, Bolsonaro tem “marcado forte a questão da defesa da democracia”.
O que diz a Constituição
O art. 85 enquadra como crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra, dentre outros direitos, “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.
Outra declaração
A manifestação marcada para 15 de março é uma reação à fala do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que chamou o Congresso de “chantagista” na semana passada.