Saúde mental: Fortaleza registra quatro internações infantis por dia
Tentativas de suicídio lideram atendimentos. A rede de saúde pública da Capital conta, hoje, com 25 leitos psiquiátricos para o público infantojuvenil, diariamente castigado por transtornos mentais e comportamentais
Horas a fio imersos em jogos online, diante de videogames, absorvidos por redes sociais e, então, capturados por uma consequência quase certa: uma saúde mental bagunçada, atingida em cheio. E as causas vão muito, muito além. Em Fortaleza, uma média de quatro crianças ou adolescentes chegam com crises psíquicas, diariamente, aos 25 leitos psiquiátricos do hospital infantil da Sociedade de Assistência e Proteção à Infância (Sopai), no bairro Carlito Pamplona, na Regional I. A internação, porém, é recurso último, julgada como "retrocesso" por profissionais da saúde.
O Ministério da Saúde, por meio da Nota Técnica nº 11/2019 - que orienta mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas adotadas -, dispõe sobre o tratamento que deve ser dado ao público dessa faixa etária. A Pasta ressalta que "não há qualquer impedimento legal para a internação de pacientes menores de idade em Enfermarias Psiquiátricas de Hospitais Gerais ou Psiquiátricos" e reconhece que "a melhor prática indica a necessidade de que ocorram em enfermarias especializadas em Infância e Adolescência" - mas afirma que "exceções à regra podem ocorrer, sempre em benefício dos pacientes".
Na Capital, apenas o Sopai, conveniado à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), fornece o serviço de forma gratuita, com apoio de neuropediatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e assistentes sociais. A porta de entrada, contudo, são os postos de saúde; os dois Centros de Atenção Psicossocial (Caps) infantis e o Hospital Mental de Messejana, que encaminha os pacientes infantis ao Sopai. Conforme a coordenadora das regionais de saúde de Fortaleza, Aline Gouveia, "tenta-se desconstruir concepções de que há um local específico para tratar, mas um paciente entrando em crise tem, sim, que ser encaminhado para os leitos psicossociais", aponta.
Transtornos
Atualmente, dois Caps infantis, nas Regionais III e IV, e uma unidade de acolhimento, no Papicu, completam a rede de assistência a crianças e adolescentes na cidade. O abrigo, de acordo com Aline, disponibiliza apenas 10 vagas, das quais cinco estão ocupadas. "É para adolescentes que quebraram vínculos com a sociedade ou família e estão saindo do uso de álcool e outras drogas. Ele pode morar lá, por livre vontade, por até seis meses - tempo em que tentamos recuperar os laços".
De acordo com o coordenador dos leitos de psiquiatria do Sopai, médico Alfredo Holanda, os transtornos que mais afetam meninos e meninas, levando à internação, são "a esquizofrenia, a drogadição e um fenômeno contemporâneo que é a epidemia do suicídio e da automutilação", alerta.
Sobre este último, o médico alerta para a necessidade de enxergar o problema antes de chegar à necessidade de hospitalização. "Esse drama é uma das prioridades. A tentativa é abafada do ponto de vista moral, mas tem uma frequência muito grande, um incremento no número de casos. O debate da prevenção precisa ser construído".
Alternativas
A hospitalização de crianças e adolescentes, porém, apesar de ser opção, pode funcionar "muito mais como fator de agravamento do sofrimento mental do que uma promoção de bem-estar", como avalia a coordenadora do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (Nucepec) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Andrea Cordeiro. A psicóloga afirma que a nota técnica do Ministério da Saúde "desconsidera todas as recentes conquistas e avanços na área da saúde mental".
"No caso de crianças e adolescentes, em especial, é preciso considerar que são sujeitos em desenvolvimento e têm como um de seus direitos fundamentais, assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a convivência familiar e comunitária, que seria certamente violada na condição de internação", projeta, apontando, ainda, alternativas que considera adequadas ao tratamento e à prevenção de transtornos mentais na infância e na adolescência.
"A psicoterapia, especialmente que recorra a materiais lúdicos, poderia ser mais eficaz, cuidadosamente associada ou não a um tratamento farmacológico indicado por um psiquiatra com especialização no atendimento infantojuvenil. Além disso, aproximar-se do esporte e da arte garante a construção de novas formas de autoexpressão, o que tende a fortalecer defesas e a capacidade de resistência ao sofrimento", avalia a psicóloga.