Protagonismo das mulheres move vidas na periferia de Fortaleza

Em áreas de Fortaleza onde faltam estrutura, renda, serviços e chances, mulheres anônimas, apesar de envoltas em condições adversas, continuam pondo em prática ações que incentivam mudanças na vida de outras

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br
Legenda: Adriana Gerônimo, com as filhas Lolita e Dandara, foi além de suas lutas individuais e passou a ajudar outras mulheres no Lagamar
Foto: FOTO: CAMILA LIMA

Vida não é lá tão fácil. Tampouco há expectativas de que muito em breve esse dilema histórico se reverta bruscamente para quem é do gênero feminino. Caminho longo, sabem as mulheres. Há de se percorrer. Não sem coragem. Em territórios de Fortaleza onde faltam estrutura, serviços e oportunidades, felizmente, persistem referências de mulheres que, embora envoltas de condições adversas, seguem praticando o que acreditam. E o que acreditam se traduz em apostar em si e em outras mulheres como forma de melhorar vivências coletivas. Para elas. Para o todo.

A vizinha, a mãe, a amiga, a líder comunitária... Inspirações. Criadoras de possibilidades. Estendendo chances a outras mulheres a fim de fazer essas vidas serem menos limitadas pelos dilemas do gênero, da violência, do machismo, da ausência de recursos. Ações políticas de mulheres nas periferias. Impulsos necessários em uma Capital cuja população feminina representa 53,2% dos habitantes.

Ter casa própria, renda, uma ocupação. Ter acesso à creche, direito à saúde, ter autoestima preservada. Necessidades que vão das mais concretas às simbólicas. Na comunidade Parque Santo Amaro, no grande Bom Jardim, há 22 anos a costureira Zélia Inácio Tabosa, de 70 anos, atua para melhorar as condições de vida dos seus e daquelas que a cercam. A batalha é por rede de esgoto, estruturação de moradias, regularização fundiária, calçamento.

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Viúva, Zélia criou quatro filhos com a renda das costuras. Hoje, tem dois netos e continua a batalha. "Nasci e me criei no Bom Jardim. Vi muita coisa se transformar com a força do nosso trabalho. Para as mulheres, é difícil. É uma área de mulheres com muitos filhos e é muito complicado andar com criança pra cima e pra baixo. Mas a gente tenta envolver essas mulheres na luta", conta.

Semelhanças

A condição não difere tanto da vivenciada por Antônia Mendes, 58 anos, catadora de resíduos, moradora do Bom Jardim. Com seis filhos, Antônia vive da reciclagem, mas se encontra também na identidade de artesã. Habilidade de uma mulher que dá aulas voluntárias para outras mulheres e sobrevive dos R$ 0,05 que recolhe de cada quilo de material apurado em uma associação de reciclagem, da qual Antônia é presidente, no próprio bairro. No local, há nove catadores. Destes, sete são mulheres, ganhando por mês cerca de R$ 300 para sobreviverem. "Há 25 anos trabalho com reciclagem. A nossa luta agora é por um galpão para organizarmos o nosso trabalho, para podermos garantir alguma estrutura. Porque a vida aqui é muito precária", evidencia.

No Lagamar, a assistente social Adriana Gerônimo, de 29 anos, reitera os dilemas experimentados em tantas outras periferias de Fortaleza. Ser mulher, negra e periférica, enfatiza ela, não é condição leve. Diante da situação, fazer o quê? Optar pelo caminho que garanta transformações mínimas para si e para as que a cercam. Sem ignorar subjetividades, Adriana avança no diagnóstico: "as mulheres do Lagamar têm de lidar com condições mínimas e poucas oportunidades", que vão do drama da falta de saneamento e das recorrentes cheias à necessidade de autoafirmação e cobrança por relações de maior equidade.

Autonomia

Nesse percurso, Adriana tornou-se presidente de uma fundação na comunidade e, desde 2018, realiza um projeto de geração de renda para as mulheres do Lagamar. Oficinas de costura que garantem a sete mulheres diretamente e a outras 15 indiretamente a possibilidade de se reconhecer em um ofício e ter recursos para sobreviver. "No turno em que os filhos estão na escola, elas ficam na ONG. Não é só o corte e costura em si. As mulheres da periferia precisam de mais. De se reconhecerem. De discussões e debates que possam falar sobre coisas que elas já sentem no dia a dia. São mulheres fortes, chefes de casa, mães sozinhas que precisam dessas atividades", reforça Adriana.

Apostas. Crenças. Autonomia e coragem de mulheres comuns. Anônimas ressignificando vidas. Suas e outras. Na esperança de fazer o mundo de tantas e tantos outros avançar.

 


 

 

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