"Meu pai e minha irmã foram assassinados", diz parente de vítimas do desabamento do Edifício Andrea

Um mês após a queda do Edifício Andrea, Felipe Pinho Silveira fala da dor de perder o pai e a imã na tragédia

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: Foto da última viagem feita pelos irmãos Gildásio Filho, Nayara Pinho (vítima da tragédia) e Felipe Pinho, em setembro de 2019

Passado um mês da tragédia que destruiu famílias, dentre elas, a Pinho Silveira, em que pai o Antônio Gildásio Holanda, 60, e a filha Nayara Pinho Silveira, 31, morreram vítimas do desabamento do Edifício Andreia, em Fortaleza, parentes em luto tentam reconstruir as próprias trajetórias. Para o policial rodoviário federal Felipe Pinho Silveira, 32, filho de Gildásio e irmão de Nayara, a ocorrência, não foi um acidente. Pelo contrário, ressalta: "Eu considero um assassinato. Eu tive no prédio 15 dias antes. Não demonstrava que tinha risco. Foi, de fato, uma intervenção desastrosa de um profissional irresponsável. Meu pai e minha irmã foram assassinados", afirma.

Felipe reside em Brasília, e nos últimos 30 dias, permaneceu 17 em Fortaleza. O outro irmão, Gildásio Filho, 29, mora em São Paulo e já regressou. Na última terça-feira (12), os parentes em Fortaleza recolheram os objetos das vítimas que estavam guardados pela Prefeitura.

"Uma crítica que eu faço é em relação a essa separação. A gente achava que ia está tudo catalogado e estava tudo amontoado. Tiveram famílias que conseguiram recuperar algumas coisas e outras que não recuperaram quase nada. Não falo de bem material, mas das lembranças. O sentimento que nós temos é que além da gente perder os parentes, a gente perdeu parte das memórias que tinham no apartamento".

Dos objetos devolvidos, que podem garantir um mínimo de suporte às lembranças, a família recebeu canecas, taças de cristal com o nome dos irmãos, fotos, álbuns e algumas poucas roupas de Gildásio.

Felipe conta que, quando o pai e a irmã se mudaram para o apartamento, levaram com eles diversas recordações da família. "Além deles serem arrancados da gente, corre o risco de perdermos a nossa memória. E isso que dói muito. Além de perder sua família, perder tudo".

Se a tragédia foi capaz de deixar lições, Felipe opina que “seja um exemplo para que novas famílias não sejam destruídas. Que o fortalezense crie a cultura de olhar para onde está morando e que a Prefeitura fiscalize. A gente vê que depois do desabamento, vários edifícios estão sendo fiscalizados pela Defesa Civil e a gente se pergunta o porquê de tanta demora. Foi preciso nove pessoas morrerem para começarem a olhar com responsabilidade, fiscalizar o que tem que ser fiscalizado”.

O desejo maior, reforça, é que ninguém mais passe por dor tão grande.

Trajetória
Os irmãos Gildásio Filho e Felipe tentam, aos poucos, se recuperar. Quando o prédio desabou, eles reviveram a dor da perda. Há 1 ano e 8 meses, a mãe deles havia falecido.  "Minha irmã teve um sonho que minha mãe pedia pros três irmãos viajarem para sentir a presença dela. Por incrível que pareça, essa viagem foi dia 15 de setembro e acabou sendo a nossa despedida da nossa irmã", relata. Na última viagem, os irmãos foram aos Estados Unidos.

Felipe relembra que, o pai e a irmã haviam se mudado para o Edifício Andrea 15 dias antes da ocorrência. "Eu até ajudei a fazer a mudança e (eles) só iriam ficar até janeiro. Minha irmã não gostou muito da localização. Eu até perguntei se ela queria se mudar, uma semana antes. E ela disse que só não ia se mudar porque ela ia se preparar para a prova da residência da Psicologia. E assim que terminasse a prova ela já ia procurar o apartamento dela", relata.

O apartamento 301, onde as vítimas estavam na hora da queda do prédio, pertencia a uma tia de Nayara. No dia da ocorrência, Felipe estava em Brasília e disse ter tido conhecimento sobre o fato através de um grupo de whats app de colegas de trabalho em Fortaleza.

Ele havia falado com Nayara no começo da manhã do dia 15. A irmã o perguntou sobre um livro. Ele indicou que o mesmo devia estar em um apartamento de sua propriedade no Porto das Dunas, em Aquiraz. Nayara e Gildásio foram buscar o livro e quando regressaram à Fortaleza houve o desabamento.

Legenda: Nayara e Gildásio em viagem feita em setembro de 2019

"Quando eu vi o vídeo, eu reconheci o muro. Eu entrei em desespero porque eles poderiam tá lá. Eu comecei a ligar para o meu pai. Ligava, ligava e não atendia e liguei para minha irmã estava na caixa postal. Liguei apavorado para os meus tios. Dizendo que eles estavam no prédio. Ninguém entendia nada. Foi algo, assim, aterrorizante. Eu entrei em contato com meu condomínio (Porto das Dunas) e tenho uma imagem deles indo buscar o livro às 9h40. Queria ver se eles estavam no caminho. Mas infelizmente eles haviam chegado poucos minutos antes do desabamento". Felipe e Gildásio Filho chegaram em Fortaleza na noite do dia 15 de outubro.

Hoje, nenhum dos dois irmãos reside na Capital cearense. O vínculo que tinham com a cidade, explica ele, eram os familiares. "Eu tinha uma família completamente feliz, bem estruturada. Hoje só sobrou eu e meu irmão. É muito difícil a gente saber que um evento assim tão traumático e tão absurdo levou nosso pai e nossa irmã".

Suporte à família

Nenhum dos dois irmãos foi chamado para depor e uma tia deles segue acompanhando os trâmites do caso em Fortaleza. Felipe ressalta que a Defensoria Pública tem dado suporte à família e que, vez ou outra, ele tem regressado à cidade para resolver burocracias. Os planos é de permanecer em Brasília e o do irmão de continuar em São Paulo.

Na quinta-feira (14), a Polícia Civil do Ceará informou que 36 pessoas foram ouvidas durante as investigações, porém precisa de mais tempo para concluir as análises, então pedirá à Justiça uma extensão do prazo. Portanto, ainda não há como apontar causas e culpados. Já a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), por meio do Núcleo de Perícia e Engenharia Legal e Meio Ambiente (Nupelm), revelou que “ainda não é possível estabelecer um prazo para a conclusão do laudo”, que deve apontar as causas da queda.  

A Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza (SDHDS), responsável pela distribuição dos objetos resgatados, foi questionada sobre o prazo de devolução dos bens às famílias e forma. Os parentes receberam os objetos na quarta-feira (13) no Ginásio Aécio de Borba. Mas, até a publicação dessa matéria a SDHDS não deu retorno. 

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