Covid-19: Leitos públicos de UTI esgotam-se uma semana antes do previsto

Segundo a Secretaria da Saúde do Ceará, unidades mais complexas estão preenchidas e já existe uma fila de espera na rede estadual. Perspectiva de abertura de novos leitos é baixa por problemas na compra de equipamentos

Escrito por Nícolas Paulino e João Lima Neto , metro@svm.com.br
Legenda: O Hospital Batista foi o segundo assumido pelo Governo do Estado. Unidade tem 131 novos leitos, sendo 7 de UTI
Foto: Foto: Fabiane de Paula

No dia 7 de abril, o Ceará tinha 144 pacientes com suspeitas ou confirmação da Covid-19 internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). No dia 14, a ocupação na rede estadual chegou ao limite, com 169 leitos usados - incremento de 17% -, que se manteve na última quarta (15). Assim, o Estado atingiu a capacidade máxima de acolhimento nas estruturas mais complexas de suporte à vida, uma semana antes do esperado: projeções da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) indicavam que isso ocorreria em 21 de abril. Nesta data, não só as UTIs, mas todos os leitos para atendimento à doença do novo coronavírus devem estar esgotados.

O Ceará atingiu, nesta quinta, 2.412 casos confirmados do coronavírus, e 135 mortes, com taxa de letalidade de 5,6%, conforme atualização mais recente da plataforma IntegraSUS. Os números ainda não colocam o Estado no pico da epidemia, mas comprometeram a capacidade de atendimento do sistema, de acordo com a secretária executiva de Vigilância e Regulação da Sesa, Magda Almeida. Ela afirma que já existe fila de espera para UTIs, que ontem pela manhã chegava a 48 pessoas.

Segundo Magda, a pressão ocorre porque não foi possível abrir 800 novos leitos planejados a tempo - nas últimas três semanas, foram entregues 160, segundo a Sesa.

“Pelas projeções, a gente chegaria nessa ocupação na semana que vem, mas, como a gente não conseguiu montar todos os que a gente queria, já temos uma ocupação de 100% dos leitos para Covid. Nossos respiradores não foram entregues e estamos com muitos problemas em relação a isso”, afirma Magda Almeida.

Como cada paciente ocupa uma UTI por um período médio de sete a 14 dias, a depender da gravidade do caso, também há preocupação quanto à rotatividade dos leitos. Se as projeções se concretizarem e o cenário piorar, será preciso estabelecer critérios. “Até essa prioridade a gente vai ver, mas vai ser a mesma que fazemos no sistema hospitalar de regulação: por critério de gravidade e prognóstico”, garante Magda, reforçando a projeção preocupante de que “não vamos ter leito para colocar as pessoas”.

Conforme a tabela de monitoramento de internações por Covid-19, da Sesa, Fortaleza concentrava 133 dos 169 leitos ocupados. Além da Capital, havia pacientes internados em Sobral (18), Juazeiro do Norte (15) e Quixeramobim (3). As três cidades do interior sediam Hospitais Regionais da Secretaria. Chama atenção que, de todos os leitos, 90 eram ocupados por casos suspeitos de Covid-19, contra 79 de casos confirmados.

Magda Almeida explica que a diferença se dá pela capacidade laboratorial de dar resposta aos exames diagnósticos. Contudo, o teste RT-PCR (biologia molecular) exige mais tempo e mais tecnologia. Atualmente, mais de 11 mil casos seguem em investigação, segundo o IntegraSUS. “Não estávamos conseguindo dar vazão. Os casos suspeitos acumulam porque a gente não conseguia realizar diagnóstico mais rápido. O problema do teste rápido é que, mesmo dando negativo, ele não descarta a doença. Nos casos internados, a gente tem que fazer o RT-PCR”, explica.

De acordo com a secretária executiva, o incremento já começou. O Laboratório Central (Lacen), que realizava cerca de 100 testes por dia, já produz mais de 700. O Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce) também foi habilitado e realiza 100 testes diários. Com apoio da Universidade de Fortaleza, da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Magda estima que a capacidade, em breve, seja entre 1.300 e 1.500 testes por dia.

Vigilância

No interior do Estado, o monitoramento da Sesa observa o crescimento de casos em três áreas: Limoeiro do Norte, Iguatu e Sobral. Nessas regiões, uma das estratégias é o “contact tracking”, ou rastreamento de contato, para conhecer os contactantes de pessoas com casos confirmados ou suspeitos de Covid-19 para “conhecer a cadeia de transmissão”. “Enquanto não tiver resultado dos exames, todos devem seguir em isolamento domiciliar. Estamos criando estratégias junto aos municípios, orientando por telefone ou mensagem de celular”, explica a secretária executiva.

Magda avalia que, nos hospitais regionais, a maior preocupação não é com a qualidade técnica, mas com a capacidade física de atendimento. “Se a gente conseguisse manter o nível de ocupação em 80% ou 90%, com rotatividade de leito, daria para cuidar com qualidade. O grande problema é a ocupação”, reforça, pensando que a epidemia do coronavírus trouxe à tona “várias fragilidades no nosso sistema de saúde”, como a carência de médicos intensivistas - especializados no atendimento a pacientes críticos - e de UTIs.

Já em Fortaleza, preocupam as regionais I, III e V, que têm maior densidade populacional e mais assentamentos precários de habitação. Na periferia da Capital, a incidência vem sendo menor, mas com letalidade maior, ou seja, ocorrem mais mortes com menos casos confirmados. “Essa é a grande discussão. Não sabemos se é demora na procura ao serviço de saúde ou se já é insuficiência de vagas. Provavelmente, é um mix de ambos. A gente precisa sentar e analisar com mais profundidade esses óbitos”, diz Magda.

O professor Rogério Giesta, coordenador geral do Núcleo de Desenvolvimento Acadêmico em Urgência e Emergência Pré-Hospitalar (Nuemph), da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica, de forma geral, que ao atingir o pico de atendimento nas UTIs das unidades hospitalares, a solução é transformar enfermarias em leitos avançados. “Um hospital pode pegar uma enfermaria e transformar em uma UTI, desde que insira equipamentos avançados como ventilador mecânico, bomba de infusão, entre outros aparelhos encontrados em atendimento de UTI”.

O coordenador do Nuemph explica que a decisão e os critérios levados para escolher os pacientes que vão para os leitos de UTIs, no caso do Ceará, são definidos por uma Central de Regulação. “A Central possui critérios próprios na hora de escolher os internados. Entre as informações analisadas estão dados como idade, comorbidades, histórico de saúde e estado clínico atual do paciente. Eles analisam isso, entre outros fatores e ordenam as prioridades”.

Reação

Ao mesmo tempo, o governo do Ceará tenta suprir a futura demanda de leitos com a criação de novos espaços por meio da aquisição de unidades hospitalares. Na noite desta quarta-feira (15), Camilo Santana anunciou que o Estado abriu mais um hospital público para pacientes com o novo coronavírus. “O Hospital Batista é o segundo equipamento particular assumido pelo Governo do Estado para atender a população cearense. São 131 novos leitos, incluindo 7 UTIs. Em três semanas, já montamos 169 UTIs”, declarou o chefe do Executivo Estadual no Twitter.

Na Capital, houve ampliação com a solicitação temporária do Hospital Leonardo da Vinci, montagem de mais leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em hospitais da rede de saúde estadual, como de Messejana, HGF, Hospital São José e, a partir da parceria com a Prefeitura de Fortaleza, no IJF2.

No interior do Estado, o governador apontou, em transmissão virtual, que no Hospital Regional do Cariri, em Juazeiro, por exemplo, já existem 50 leitos de UTI e estão sendo criados mais 35, exclusivos para atender os pacientes com Covid-19 no Cariri. No Hospital Regional de Quixeramobim, são 40 leitos de UTI e serão construídos mais 20. No Hospital Regional de Sobral, além dos atuais 50 leitos de UTI, foram criados mais 36, pontuou Camilo Santana.

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