Contra irregularidades, União irá recadastrar 7 mil pescadores no CE
Governo Federal promete cruzar dados entre órgãos para coibir irregularidade na concessão do benefício ainda neste ano. Para colônias, gastos aumentarão porque novas carteiras de permissão de pesca não são liberadas há cinco anos
Acostumados a tirar o sustento da água doce e da salgada, agora serão os 7 mil pescadores artesanais cearenses que passarão pelas redes de malha fina do Governo Federal. Ainda neste ano, deve ocorrer um recadastramento nacional da categoria para coibir a concessão irregular do seguro-defeso, que, segundo a União, atinge até 65% dos benefícios, gerando despesas de quase R$ 2 bilhões em todo o País.
Representantes de colônias do Ceará veem a iniciativa como positiva, mas avaliam que ela não terá o efeito de corte de gastos pretendido. Isso porque, segundo eles, não há renovação dos cadastros pesqueiros desde 2014. Atualmente, a emissão de carteiras de pesca está suspensa por recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU), por suspeitas de fraudes.
O plano federal é que os pescadores sejam recadastrados através de um sistema interligado a órgãos fiscais e de controle, para que as informações sejam cruzadas a fim de impedir novas irregularidades.
Até o ano passado, de acordo com dados do Portal da Transparência, havia 7.202 beneficiários do seguro-defeso no Estado, o que representa 1% de todo o País. O número também coloca o Ceará em penúltimo na Região Nordeste - bem distante dos quase 140 mil pescadores beneficiados no Maranhão, por exemplo.
Falta de emissão
Por aqui, têm direito ao seguro-defeso 1.260 trabalhadores da pesca de Icapuí, no Litoral Leste, seguido pelos de Beberibe (581), Camocim (506) e Fortaleza (425). A presidente Neide França afirma que a Colônia de Pescadores Z-41, de Iguatu, tem 130 pescadores aptos a receber o seguro-defeso, mas outros 60 atuam sem estarem habilitados pela falta de emissão de novos registros, há cinco anos.
"Aqui no nosso Estado, eu acho meio difícil ter fraude porque a fiscalização é rígida. A colônia sabe quem é e só habilita aquele que pesca. A gente trabalha da forma correta. Minha perspectiva é que o recadastramento vai legalizar quem exerce a profissão, mas não tem documento", acredita. Possidônio Soares, presidente da Colônia Z-8, em Fortaleza, ressalta que o problema da falta de documentos vai além. "Têm alguns profissionais que, desde 2013, nunca receberam o Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP). É uma coisa absurda porque o pescador não tem o direito a benefício social. O trabalhador do mar que fica doente, por exemplo, vai até o INSS e não pode nem receber o auxílio-doença", indigna-se.
O seguro-defeso é concedido durante períodos em que a pesca de determinadas espécies é proibida, como medida preventiva para proteger os organismos aquáticos em época de reprodução. Neste caso, há a previsão legal do pagamento em três parcelas de um salário mínimo, cada, do seguro-desemprego ou defeso. Hoje, o salário mínimo está fixado em R$998.
Brasil afora, a Secretaria de Aquicultura e Pesca encontrou crianças de sete anos e um idoso de "148 anos de idade" incluídos como beneficiários do seguro-defeso. Além disso, profissionais como médicos, dentistas, militares e até prefeitos e vereadores. Outro problema é que o benefício conta tempo para aposentadoria, ou seja, pessoas que hoje recebem os valores indevidamente vão gozar de aposentadoria que não têm direito.
Bolsonaro
O Diário do Nordeste solicitou ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informações sobre suspeitas de irregularidades no Estado do Ceará, mas o órgão não retornou até o fechamento desta edição. Em transmissão nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro garantiu "anistia" a quem sair do sistema voluntariamente, mas afirmou que, quem insistir, poderá ser processado por falsidade ideológica.
As colônias de pescadores e outras entidades representativas da categoria ficarão responsáveis por receber e organizar os dados. Fabiano Bezerra, que representa 64 pescadores na Colônia Z-29, no Cedro, é a favor da fiscalização e cobrança para quem é irregular, mas defende que "a classe pesqueira é muito humilhada e sofrida".
Ladrões
"O defeso tá parado desde janeiro e ainda somos tratados como ladrões. A Lei diz que devemos viver só da pesca, mas nenhum pescador pode aguentar. Passa fome, faz bico, planta milho e feijão, senão não tem condições de se manter", lamenta.
As denúncias de fraudes são antigas. Em 2015, por exemplo, o Diário do Nordeste publicou a série "Pescador de mentira - Fraude no seguro-defeso". Somente no Ceará, pelo menos R$ 60 milhões podem ter sido desviados entre 2010 e 2014. Com a checagem rigorosa dos dados, muitos fraudadores recorriam a outros estados do Nordeste.
Falsos pescadores cearenses tinham cadastros com endereços de residência na Bahia, Maranhão e Piauí.