Proporção de micros e pequenas empresas que utilizam site, aplicativos, redes sociais ou outras plataformas digitais deu um salto de 12 pontos percentuais em um mês, passando de 30,5% em maio para 42,5% em junho
Ressignificar hábitos de consumo foi um exercício árduo na rotina dos consumidores cearenses durante a pandemia. Assim também foi o desafio dos empreendedores de reinventar a maneira de vender os produtos frente aos obstáculos impostos pelo cenário.
A dona de casa Francis de Souza, por exemplo, teve a oportunidade de se aproximar mais das pessoas ao redor, o que proporcionou encontros antes inimagináveis. "Eu estava conversando com uma moça que mora no mesmo prédio que eu, e ela sabe que compro muitos produtos naturais. Nisso, ela me indicou o trabalho dele, disse que vendia castanhas".
O comerciante que ela cita é José Luciano de Lima, microempreendedor, que há três anos é dono de uma barraca de produtos naturais na Av. Beira Mar. Com a obrigatoriedade de fechar "A Barraca do Luciano", como é conhecida pelos clientes mais antigos, devido à pandemia, Luciano encontrou na aproximação pelos meios digitais um refúgio para continuar trabalhando.
"Lá (na barraca), eu já falava que fazia entrega, que enviava pelos Correios, mas era muito pouco. Quando eu fechei (o espaço), tive a sorte de ter muita gente me ajudando, muita gente dando uma força pra mim, fazendo divulgação boca a boca", explica ele.
A colaboração foi a base de toda a logística dele. Com a ajuda do filho, criou uma conta no Instagram para divulgar as fotos das mercadorias, preços e o contato. Hoje, mais bem adaptado aos trâmites digitais, Luciano afirma que o faturamento está maior até do que antes da pandemia.
"Hoje está bem melhor, bem melhor do que era até antes. A diferença maior é que meu cliente era só quem passava por ali, via a barraca, parava e comprava. Hoje, é diferente, eu vou divulgando, conversando com as pessoas".
Com o retorno gradual das atividades econômicas em Fortaleza, algumas lojas voltaram a abrir, o que não significa que os hábitos de consumo das pessoas serão iguais. Para Francis, a comodidade de receber o produto em casa e a atenção do vendedor são quesitos indispensáveis.
"Agora que as coisas estão reabrindo, eu tentei até me arriscar a ir lá na loja, já que estava há muito tempo dentro de casa, mas agora eu gosto de pedir assim, porque ele é atencioso, a entrega é rápida, o preço é bom e os produtos são de qualidade. Eu faço o pedido pelo WhatsApp ou ligo e ele já manda entregar", aponta.
As feiras ainda não estão autorizadas a acontecer no Ceará, mas Luciano já antecipa que, mesmo voltando ao local, o atendimento virtual vai permanecer. "É muito prático e eu ganhei novos clientes, eles estão acostumados com isso aqui também. Vou ficar nos dois", destaca.
Mídias
De acordo com a pesquisa realizada pelo Sebrae para medir os impactos da pandemia de Covid-19 nas microempresas e empresas de pequeno porte (MPES), em maio, 30,5% das empresas cearenses utilizavam alguma ferramenta digital (site, telefone, aplicativos) para difundir seus negócios. Em junho, o resultado deu um salto de 12 pontos percentuais, registrando, em algum nível, a presença digital em 42,5% das MPEs do Ceará.
Para a secretária executiva do Sebrae/CE, Alice Mesquita, a utilização dos canais digitais para continuar entregando os produtos durante a crise garantiu um pós-pandemia mais bem sucedido.
"Aqueles que conseguiram despertar para essa necessidade de estar na presença digital, de fazer essa transformação, esses foram os que conseguiram ter melhor resultado. Mas não é só abrir um canal digital, é entender que o produto tem que estar adaptado, é garantir um canal apropriado para entregar esse produto. Não adianta divulgar, o cliente entrar em contato e a empresa não poder entregar".
Serviços
O setor de serviços, responsável por 76% do Produto Interno Bruto (PIB) do Ceará, foi um dos mais impactados pelo distanciamento social e também precisou adaptar a maneira de vender às novas necessidades dos clientes. O salão de beleza Flozô, no bairro Vila União, apostou inicialmente em oferecer conteúdos através das redes sociais para manter as clientes por perto.
"Quando a pandemia chegou, nós não sabíamos quanto tempo ficaríamos de portas fechadas. Então, assim que saiu o decreto, nos reunimos, conversamos bastante e combinamos que cada uma das quatro cabeleireiras entregaria conteúdos semanais, para evitar que o salão caísse no esquecimento", afirma Luana Muriell, proprietária do salão
A bióloga Louize Fonseca,que é cliente do salão, explica que o hábito de ir até o local ultrapassa a necessidade básica do serviço ofertado. "Eu tinha muita dificuldade de aceitar meu cabelo, de usar solto, então (o salão) era um lugar fundamental pra mim, pra essa mudança de comportamento. Lá, era um lugar que eu ia sabendo que sairia me sentindo melhor. Com a pandemia, eu queria sentir esse mesmo cuidado virtualmente".
Como não era possível receber as clientes, Luana decidiu criar um grupo no WhatsApp para dar dicas de como cuidar dos cabelos e oferecer os produtos que tinham para venda. O que ela não esperava era que a demanda das clientes foi maior do que a equipe era capaz de dar conta.
"A gente não conseguia ter várias atendentes para um WhatsApp só, precisávamos de ajuda para os atendimento. Foi nesse ponto que pensamos no site. Todo mundo ajudou muito, pesquisamos as plataformas, cadastramos todos os produtos e criamos um chat dentro do site para ajudar as clientes a escolherem o que comprar", aponta.
Ela relata que, no período pré-pandemia, eram realizados aproximadamente 380 atendimentos mensais no salão. Com a plataforma digital, no último mês, foram registrados 950 pedidos de compras, o que dobrou o faturamento, manteve todos os funcionários e possibilitou a contratação de mais duas pessoas.
Experiência de consumo
O trabalho humanizado que transcendeu os limites das paredes e chegou até o celular das consumidoras foi fundamental para Louize. "Não era só pelo preço, fez toda diferença eu me sentir segura em saber que ela realmente tinha conhecimento e com as orientações que ela passava de como usar os produtos".
A humanização da transformação digital é visto como "peça fundamental" pela CEO da Posiciona, empresa especialista em treinamento e desenvolvimento de empresas, Carol Manciola. "Esse aspecto se faz muito mais necessário no processo de transformação digital, porque a tecnologia iguala os competidores, mantém eles no jogo. O que vai diferenciar é o fator humano. Existem diversas ferramentas de baixo custo ou gratuitas, a boa vontade e o esforço é que vão fazer esses negócios se destacarem" .