Devido à maior adesão das empresas ao trabalho remoto na pandemia, cresceu o número de casos de desligamentos por meio do aplicativo no Brasil
Imagine abrir o WhatsApp e ler/ouvir uma mensagem de que, a partir deste momento, você está desligado(a) da empresa onde trabalha.
Foi isso o que aconteceu com a vendedora Mariana Souza (nome fictício), de 20 anos. Ela trabalhou por quase nove meses em uma loja no Centro de Fortaleza, até receber áudios do chefe no celular informando a demissão, em meados de junho.
Eu pedi autorização da minha gerente pra resolver um problema pessoal e, no mesmo dia, me chamaram para uma entrevista de emprego. Eu fui, passei para a próxima fase, e à noite falei com ele [chefe] informando o motivo de eu ter me ausentado"
Contrariado, o empregador resolveu demiti-la. "Ele simplesmente mandou áudios pra mim e disse que não precisava mais eu ir pra loja e que eu apenas fizesse a transferência do dinheiro que ele já tinha me dado do mês".
Mesmo considerando que agiu errado, Mariana diz ter se sentido ofendida pela demissão ser comunicada pelo WhatsApp. Por isso, contratou uma advogada para mover uma ação judicial contra a empresa.
"Ele [chefe] não foi ofensivo, mas foi bastante constrangedor. Não custava nada ele dizer: 'Amanhã vá lá na loja pra gente decidir como vai ficar', e não ser tão direto e simplesmente me demitir".
Demissões por app de mensagens crescem no País
Embora não pareça comum, demissões por aplicativos de mensagem vêm crescendo no Brasil. Sobretudo após o início da pandemia de Covid-19, quando muitas empresas passaram a aderir ao trabalho remoto e a priorizar a comunicação via ferramentas digitais.
103 mil
processos com as palavras-chave demissão, WhatsApp, danos morais e derivados foram registrados desde março de 2020 no País, segundo levantamento da plataforma de jurimetria Data Lawyer Insights.
Entre novembro de 2018 e 2019, por exemplo, foram contabilizados 23.351 processos sobre o tema, quantidade bem aquém dos mais de 100 mil somados nos últimos meses.
Mas, afinal, é legalmente permitido utilizar uma ferramenta como o WhatsApp para comunicar uma demissão? Caso o funcionário se sinta ofendido, ele deve mover uma ação na Justiça para, quem sabe, receber uma indenização do ex-empregador?
Demissão por WhatsApp é válida
Professora da Universidade de Fortaleza, a advogada trabalhista Patrícia Moura Cruz afirma que, embora situações do tipo tenham se tornado uma realidade cada vez mais comum, em especial nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, ainda não há uma legislação específica que proíba a dispensa do empregado em aplicativos como WhatsApp, Telegram, etc.
Por isso, ainda que a rescisão contratual seja mais impessoal à distância, a Justiça entende que o uso aplicativo de mensagens nessas situações não é, por si só, motivo suficiente para o empregado mover uma ação judicial contra a empresa e receber uma indenização.
Isso é cabível apenas quando o colaborador é comprovadamente humilhado ou desrespeitado durante a comunicação do desligamento, seja pelo WhatsApp, por videochamada ou mesmo presencialmente.
"Da mesma forma que na dispensa de um empregado de forma presencial ele deve ter resguardados a sua honra e o respeito, a demissão por mensagem em aplicativo não pode dar margem à humilhação ou à ofensa", endossa a advogada.
Se a mensagem, portanto, for ofensiva ou tiver uma conotação de humilhação, o trabalhador pode entrar com uma ação judicial e receber indenização por danos morais.
Empresas devem ter mais cautela
Por ser um momento delicado para ambas as partes, contratantes devem redobrar a atenção ao demitir um funcionário por aplicativo de mensagens ou rede social, alerta o advogado Daniel Scarano, membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB Ceará. Do contrário, as mensagens podem ser utilizadas como provas contra as próprias empresas. O WhatsApp, cabe ressaltar, já possui validade jurídica.
Comunicar o desligamento por ferramentas digitais também pode dar margem a uma interpretação distinta da intenção do emissor ao enviar a mensagem, aponta Scarano. Por isso, elas não devem ser encaradas como primeiro e único recurso.
"Já é muito comum quando nos comunicamos pelos meio virtuais de forma escrita, não conseguirmos nos expressar por completo, então a cautela tem que ser maior por parte dos empregadores. Se puder fazer uma chamada de vídeo, escrever e justificar a situação, ou até se utilizar do WhatsApp tão somente para convocar o funcionário pra conversar, com certeza, é um procedimento melhor".
Até mesmo os processos judiciais motivados por demissão via WhatsApp, soma o advogado, são hoje interpretados de formas distintas pelos magistrados, a depender de cada caso. Porém, "a jurisprudência vem dando, sim, validade à demissão pelos meios eletrônicos, e-mail, WhatsApp por serem entendidos como [alternativas de] comunicação efetiva, principalmente agora" na pandemia.
Quanto ao valor da indenização, também vai variar de uma ação para outra, frisa Patrícia Moura Cruz. Em cada caso, são verificados "a condição econômica da empresa, do empregador, tem que demonstrar qual foi a extensão do dano, o quanto ele [ex-funcionário] ficou abalado e principalmente a prova que vai ser apresentada".
Apenas o fato de ser demitido pelo WhatsApp, reitera a professora, não é o suficiente para o ex-funcionário receber uma indenização.
"Toda forma de demissão que seja ofensiva, que cause uma situação vexatória, que cause constrangimento, ela vai, sim, poder ser reparada pela indenização por danos morais, inclusive, se for por WhatsApp, onde a prova é muito mais fácil [de existir]".
Antes de ingressar com uma ação judicial, Daniel Scarano recomenda que a parte ofendida consulte um profissional do Direito ou mesmo pessoas próximas e de confiança que confirmem se o conteúdo da mensagem foi, de fato, ofensivo.
"Se essas [pessoas] reiterarem realmente que é uma situação em que houve desrespeito, aí você procura um profissional do Direito que sabe melhor como os juízes estão decidindo. E ele orienta se é válido um processo judicial ou não para, assim, evitar uma aventura judicial que faz você perder tempo e dinheiro".