O novo coronavírus tende a misturar grandes partes do seu genoma ao fazer cópias de si, apontam cientistas que pesquisam a replicação do agente causador da Covid-19. Diferentemente de pequenas mutações, os vírus têm maior possibilidade de fazerem "recombinação", reacendendo o alerta de que novas variantes do coronavírus com mutações parecem tornar algumas vacinas menos eficazes, como alertaram cientistas nas últimas semanas. As informações são do jornal O Globo.
Os novos estudos sugerem que um fenômeno chamado "recombinação" permita que o vírus Sars-CoV-2 mude de modo perigoso. Em contrapartida, esse mecanismo biológico pode ajudar os pesquisadores a encontrar medicamentos que parem o vírus durante o caminho.
"Não há dúvida de que a recombinação está acontecendo", indicou Nels Elde, geneticista da Universidade de Utah. "Na verdade, é provavelmente um pouco subestimado e pode estar em jogo mesmo no surgimento de algumas das novas variantes", pontuou.
O que é recombinação
As mutações do coronavírus são alterações em uma única "letra" do RNA, a sequência genética do vírus. O fenômeno parece um processo de copiar e colar com erro — ocorre como se o vírus tivesse uma sequência de palavras na qual parte dos termos é substituída por outra ligeiramente diferente. Como o agente tem um sistema vasto para revisão desse código, pequenas mutações são consideradas raras. No entanto, o fenômeno é comum em nos coronavírus.
Uma equipe de pesquisadores do Vanderbilt University Medical Center, liderados pelo virologista Mark Denison, estudou as ocorrências de replicação em três tipos de coronavírus, inclusive o causador da Covid-19. O grupo descobriu que a recombinação dos três vírus é "extensa" ao se replicarem separadamente no laboratório.
Em razão disso, os cientistas temem que variantes distintas do agente infeccioso se combinem no corpo humano em versões mais perigosas. A cepa detectada no Reino Unido, por exemplo, possuía mais de 12 mutações, as quais pareciam surgir de repente.
O geneticista Nels Elde aponta que a recombinação pode ter mesclado variantes distintas que surgiram de forma espontânea numa mesma pessoa ou coinfectaram alguém em simultâneo. "É realmente difícil identificar essas marcas invisíveis de um evento de recombinação", frisa, incluindo que, embora rara, a infecção por duas variantes simultaneamente é possível.
Já a epidemiologista Katrina Lythgoe, do Oxford Big Data Institute, no Reino Unido, mostra-se cética quanto à coinfecção ocorrer com frequência. Ela, contudo, afirmou que novas variantes mostraram que um grande impacto pode ser causado por eventos raros.
Além disso, a recombinação pode permitir que dois coronavírus diferentes de um mesmo grupo mudem alguns de seus genes. Elde e outros pesquisadores compararam sequências genéticas de vários coronavírus, incluindo o Sars-CoV-2, e outros agentes da mesma família, conhecidos por infectar porcos e gado.
O grupo destacou, com ajuda de um software desenvolvido para a pesquisa, os locais em que as sequências dos vírus se combinavam e onde não o faziam. O programa sugeriu que muitas ocorrências de recombinação envolveram partes que formaram a proteína spike, que possibilita a entrada do vírus nas células humanas. "Por meio dessa recombinação, um vírus que não pode infectar as pessoas pode se recombinar com um como o Sars-CoV-2 e, assim, tornar-se capaz de infectar", afirmou Stephen Goldstein, um dos pesquisadores envolvidos no estudo.
Mesmo sem terem sido publicadas em periódico científico, as descobertas apontam evidências de que coronavírus relacionados têm propensão a se recombinar uns com o outros, bem como que há sequências que surgiram nos coronavírus "do nada". "Em alguns casos, quase parece que há uma sequência vindo do espaço sideral, de coronavírus que nem conhecemos ainda", ressaltou Elde.