Sem corpo e sem processo; por que o caso de jovem desaparecido após abordagem de PMs foi arquivado

Anderson foi visto pela última vez no dia 11 de junho de 2019, na companhia de militares. Testemunhas disseram tê-lo ouvido gritar pedindo por socorro

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: A mãe de Anderson, Maria Cristiane da Silva Leitão, acredita que o filho está morto
Foto: Helene Santos

Em 11 de junho de 2019 Anderson Henrique da Silva Rodrigues era visto pela última vez. Os vizinhos contam que se assustaram com os gritos vindos da casa de Anderson, que estava na companhia de policiais militares na cidade de Horizonte, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Teve até quem testemunhou afirmando ter ouvido o jovem de 20 anos gritar por socorro, e depois ser colocado dentro de uma viatura, já desacordado.

Se passaram três anos e a família do jovem diz não saber mais a quem recorrer. A mãe, Maria Cristiane da Silva Leitão, acredita que o filho está morto: "nunca mais vão encontrar ele", e prefere não conversar muito sobre o assunto. Três anos depois, a Rede de Observatórios da Segurança apurou que o caso foi arquivado sem sequer ter se tornado um processo no Judiciário cearense.

Polícia Militar, Ministério Público do Ceará e Tribunal de Justiça do Ceará são unânimes ao dizer que o 'Caso Anderson' está arquivado. Sem corpo, sem processo e sem respostas. Afinal, o que aconteceu com Anderson Henrique depois daquele 11 de junho de 2019? Para Cristiane, "está claro que o caso vai ficar impune porque foram policiais". O 'coração de mãe' desacredita ainda ter notícias do filho e que seja feita "alguma Justiça que não seja a divina".

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INVESTIGAÇÃO

O MPCE informa que, no geral, "desaparecimentos sem condições viáveis de averiguação de materialidade de eventual morte e sem mínimos indícios de autoria para tanto acabam por levar ao arquivamento casos como este". Mas, segundo o órgão acusatório, isso não impede que o caso seja desarquivado, "em casos de novos fatos sólidos até então desconhecidos pela Polícia".

"No Sistema de Automação do Ministério Público (SAJ-MP), as peças disponíveis e acessíveis apenas apontam pedido do MPCE para que a autoridade policial para que, em 90 dias, concluísse o Inquérito Policial aberto para o caso, que, desde o início, foi tratado como fato atípico, ou seja, sem condições de ser encaixado em matéria criminal. Além disso, o inquérito policial não foi originado na cidade de Horizonte, mas enviado de uma Delegacia Especializada para a Delegacia de Horizonte, já com esse cadastro de fato atípico"
MPCE

A Polícia Militar diz que ainda em 2019 foi instaurado e concluído Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar o fato: "Ao término, o procedimento foi encaminhado à Justiça Militar Estadual para análise e deliberação, tendo sido arquivado".

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Legenda: Anderson, 20, não é visto desde junho de 2019
Foto: Reprodução

Já o Tribunal de Justiça do Ceará diz que as buscas apontam que o caso não chegou a ser tornar uma ação processual na Justiça, "pois não houve oferecimento de denúncia". Para o TJ, como o caso está nomeado de 'inquérito processual' é de responsabilidade da autoridade policial dar mais informações sobre o "arquivamento definitivo".

A socióloga e pesquisadora da Rede, Ana Letícia Lins, enxerga com preocupação que "a violência policial vem sendo construída e normalizada no cotidiano do Ceará". Para a estudiosa, é preciso fazer uma reflexão e perceber que essa violência não acaba no policial que apertou o gatilho, "mas tem toda uma reverberação nas estruturas que demoram e que acabam não cumprindo com o papel de reparação das famílias das vítimas".

"Nos últimos dias tenho pensado muito sobre o papel da Justiça nos casos de violência policial. Já nos últimos dias tivemos a notícia que os policiais do caso em Milagres podem voltar a trabalhar, por decisão da Justiça. São casos assim que estão sem respostas e isso vem sendo uma constante na forma de lidar com a violência policial"
Ana Letícia Lins
Socióloga


VERSÕES SOBRE A ABORDAGEM

Por volta das 11h de 11 de junho de 2019, Anderson Henrique da Silva Rodrigues ia até uma mercearia em Horizonte. Conforme a versão de testemunhas, já no estabelecimento, ele foi abordado por policiais militares, que chegaram o chamando de vagabundo e desferindo tapas.

Da mercearia, o jovem teria sido levado até a sua residência, também em Horizonte, onde os vizinhos viram PMs entrarem na casa e lá permanecerem por cerca de duas horas. Durante este tempo, de acordo com testemunhas que prestaram depoimentos à Polícia Civil, foram ouvidos gritos como "socorro, eles vão me matar".

"Eu vi que os policiais foram muito rudes com ele. Puxaram, bateram, deram dois tapas no rosto do rapaz, usaram spray de pimenta, deram chutes, e tudo isso sem o rapaz reagir. Ele ficou parado. Não fez nada contra os policiais. O Raio já chegou dizendo: encosta, vagabundo", disse um homem, sob a condição de não ser identificado, temendo represálias.

Na versão da PMCE, a composição policial que abordou Anderson naquele dia realizou busca minuciosa e, quando nada de ilícito foi encontrado com ele, o suspeito foi liberado, e a equipe retornado ao patrulhamento de rotina. Não há informações oficiais se os militares envolvidos na ocorrência foram afastados das funções.

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