Número de júris populares por crimes dolosos contra a vida cresce quatro vezes em dois anos no Ceará
Pessoas comuns da sociedade são selecionadas para julgar crimes de homicídio, tentativa de homicídio, infanticídio, participação em suicídio e aborto
Em dois anos, os júris populares por crimes dolosos contra a vida (homicídio, tentativa de homicídio, infanticídio, participação em suicídio e aborto) se multiplicaram pelo Poder Judiciário cearense. Conforme dados do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o número cresceu mais de quatro vezes, entre 2021 (que teve 286 julgamentos) e 2023 (1.271 júris, até o fim de novembro). Dezenas de novos julgamentos ainda são realizados neste mês de dezembro e não entraram para a estatística.
foi o aumento percentual, na comparação entre os dois anos. Em 2022, o TJCE contabilizou 1.006 júris populares - o que significa um aumento de 251% de 2021 para 2022 e de 26%, do ano passado para 2023.
O coordenador da Semana Estadual e da Semana Nacional do Júri e representante estadual da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), desembargador Francisco Eduardo Torquato Scorsafava, analisa que o aumento de júris populares nos dois últimos anos foi uma resposta do Poder Judiciário a uma "demanda reprimida" dos anos mais graves da pandemia de Covid-19, 2020 e 2021, que impediram a realização de muitos julgamentos. Segundo o magistrado, há uma recomendação legal que júris populares sejam realizados presencialmente, para reunir juiz, representantes da acusação e da defesa, réu e jurados no mesmo espaço - o que não era possível, pelo risco de contágio da doença.
"Outro ponto, que nós reputamos relevante, diz respeito ao aprimoramento da gestão processual por parte das instituições do Sistema de Justiça. Me refiro ao Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, que têm realizado, de forma integrada, todas essas ações atinentes ao Tribunal do Júri, como ampliação do número de audiências, monitoramento da tramitação dessas causas, julgamento dos recursos por parte do Tribunal de Justiça", acrescenta o desembargador.
Os crimes dolosos contra a vida são julgados por pessoas comuns da sociedade. Sete jurados, selecionados por sorteio, formam o Conselho de Sentença e decidem pela condenação ou pela absolvição do réu. Eduardo Scorsafava define o júri popular como "um dos pilares fundamentais de uma sociedade democrática".
É uma das formas mais tradicionais de garantir a participação do cidadão no processo de justiça. A inclusão dos cidadãos comuns traz uma diversidade de perspectiva para o exame dos casos e reduz a possibilidade de decisões unilaterais. O conceito do júri remonta à Antiga Grécia, em que o direito de julgar se encontrava nas mãos do próprio cidadão."
O ano de 2023 ficará marcado no Poder Judiciário cearense pelo júri popular mais longo da história. A Chacina do Curió teve três sessões de julgamento, que se prolongaram por um total de 19 dias, divididos entre os meses de junho, agosto e setembro deste ano. Os júris populares condenaram 6 policiais militares e absolveram 14 PMs pelas acusações de matar 11 pessoas, na Grande Messejana, em Fortaleza, em novembro de 2015.
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Mês Nacional do Júri
O número de júris populares em 2023 foi impulsionado pelo Mês Nacional do Júri, em novembro, que registrou um aumento de 141% nos julgamentos, na comparação com igual período de 2022. No ano corrente, foram 329 sessões de julgamento; e no ano passado, 136.
Segundo o TJCE, neste ano, 99 comarcas participaram do mutirão para agilizar processos de crimes dolosos contra a vida, o que mobilizou um total de 109 magistrados e 461 servidores, em todo o Estado.
O desembargador Francisco Eduardo Torquato Scorsafava afirma que o Mês Nacional do Júri, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2017, "foi a forma que os Tribunais do País, sob coordenação do CNJ, estabeleceram um mecanismo de garantir essa celeridade". "Essa ação não se restringe só ao Mês Nacional do Júri. Os Tribunais estão autorizados a também estabelecerem a Semana Estadual. Aqui no Ceará, esse esforço concentrado ocorre no primeiro semestre. Há também um projeto em curso, Tempo de Justiça, para reduzir o tempo de tramitação dessas causas na Capital", acrescenta.
Metas para o próximo ano
O Conselho Nacional de Justiça listou 11 metas para o Poder Judiciário em todo o País, no 17º Encontro Nacional do Poder Judiciário (ENPJ), ocorrido no último dia 5 de dezembro. Entre elas, estão a Meta 1 – julgar mais processos que os distribuídos e a Meta 2 - julgar processos mais antigos.
Eduardo Scorsafava destaca que as Varas do Júri também irão se atentar à Meta 8 – priorizar o julgamento dos processos relacionados ao feminicídio e à violência doméstica e familiar contra as mulheres. "Em 2024, nós pretendemos aprimorar mais e agilizar essas ações, para diminuirmos esse quadro que incomoda a todos, que tem sido o aumento considerável da prática de feminicídios e de atos de violência contra a mulher", pontua o desembargador.
O magistrado também revela que o maior desafio do Poder Judiciário cearense é "garantir e aprimorar a integração do trabalho conjunto das instituições que compõem o Sistema de Justiça, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil, para que todos possam dar sua inestimada contribuição para garantir a duração razoável dessas causas. Não podemos embutir na população o sentimento de impunidade, porque a justiça tardia gera um sentimento de frustração às pessoas que foram vítimas e gera um estímulo involuntário para aquele que praticou o ato, o sentimento de impunidade pode contribuir para que ele reitere na conduta".