"Não enterramos só filhos, enterramos sonhos", diz representante da Campanha 'Mães por Memória'
De 2013 até o último mês de abril deste ano de 2021, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) contabilizou mais de mil mortes em intervenção policial
A cada Dia das Mães que se aproxima se acentua o sofrimento daquelas que perderam o filho para a violência. A dor de todos os dias se agrava ao lembrar que vai faltar companhia na data especial. Quando a perda foi causada por agentes públicos do Estado, como nos casos de mortes em intervenção policial, o pedido por Justiça ecoa ainda mais alto.
Neste mês de maio de 2021, coletivos de mães de diversos estados do Brasil realizam a '2ª Campanha Nacional de Mães por Memória, Justiça, garantia de direitos, pão e vacina a todos'. No Ceará, participam da campanha os coletivos: Movimento Mães e Familiares do Curió, Mães da Periferia de Vítimas por Violência Policial do Estado do Ceará e Vozes do Sistema Socioeducativo e Prisional.
De janeiro de 2013 até o último mês de abril de 2021, foram 1.004 mortes em intervenção policial contabilizadas pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) no Ceará. Uma delas a de Álef Souza, de 17 anos, morto na Chacina da Grande Messejana, em 2015.
Protagonismo
Desde quando Álef foi morto durante um ataque de policiais militares à paisana, Edna Carla Souza, mãe do adolescente, aderiu a uma causa: lutar por Justiça. Junto dela, outras dezenas de mães.
Hoje, à frente dos movimentos Mães e Familiares do Curió e Mães da Periferia de Vítimas por Violência Policial do Estado do Ceará, Edna recorda do filho com saudosismo e a sensação a sua busca por Justiça não é individual, mas sim coletiva depois de centenas de casos similares que chegaram ao seu conhecimento.
"A nossa bandeira é por memória e Justiça. É difícil vermos a Polícia matando. A pessoa sem ter feito nada, sem dever ao Estado e ver seu filho ali estendido no chão porque a Polícia matou. Meu filho ia servir ao Exército. A Polícia tirou o meu sonho, tirou o sonho dele, tirou a vida dele, acabaram com todos os nossos planos. A vida dele poderia ser protegida pelo Estado. Não enterramos só nossos filhos, enterramos sonhos, enterramos as nossas histórias", disse.
Segundo a representante, 11 mães estão no movimento do 'Curió'. Já no coletivo da 'Periferia' há ainda mais mulheres que enterreram os filhos após ações da Polícia. Outras situações recordadas por Edna são as intervenções militares em Milagres e Chorozinho (com a morte do adolescente Mizael) e a Chacina de Quiterianópolis, com a participação de PMs de folga.
"A nossa única arma contra o estado é a nossa fala, o nosso esforço e a nossa resistência. Temos que tratar a nossa mente. Tratar nosso coração, a nossa vida. O Estado mata nossos filhos e nos aprisiona. Essas mulheres passam por depressão, tentam suicídio. Nossa preocupação é com um Dia das Mães que chega e algumas não resistem a dor, ao sofrimento, a tristeza. Quem superou, precisa levantar outros. É uma dor que aperta em todas nós", disse Edna, 'a mãe do Curió'.
Causa
Além dos movimentos no Ceará, integram a '2ª Campanha Nacional de Mães por Memória, Justiça, garantia de direitos, pão e vacina a todos': Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência (RJ), Mães de Manguinhos (RJ), Movimento Moleque (RJ), Mães da Maré (RJ), Mães em Luto da Zona Leste (SP), Mães da Baixada (RJ), Núcleo de Mães Vítimas de Violência (RJ), Coletivo Mães do Xingu (PA), Mães de Brumado (BA), Movimentos Mães de Maio do Cerrado (GO) e AMAR (RJ).
"Uma carta será enviada a autoridades cobrando por ações reparativas, memória, justiça e garantia de direitos para vítimas, para a juventude preta e pobre moradora das comunidades e para internos do sistema socioeducativo e prisional. O documento também cobra pão e vacina para todos, diante da calamidade em que vive a maioria dos brasileiros com inflação, desemprego e mais de 400 mil mortes por Covid-19", explicaram os idealizadores.