MPCE pede que 24 policiais civis acusados de crimes como tortura e tráfico permaneçam afastados

O grupo está afastado há mais de dois anos em razão da acusação de integrar uma organização criminosa, dentro da Polícia Civil

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Policiais civis se utilizavam de aparato da Delegacia Especializada para cometer os crimes, segundo as investigações
Legenda: Policiais civis se utilizavam de aparato da Delegacia Especializada para cometer os crimes, segundo as investigações
Foto: Divulgação/ PCCE

O Ministério Público do Ceará (MPCE) se posicionou contrário a um pedido da defesa de 24 policiais civis para eles retornarem às atividades na Polícia Civil do Ceará (PC-CE). O grupo está afastado há mais de dois anos em razão da acusação de integrar uma organização criminosa, dentro da Delegacia de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD) e de outras delegacias da Capital, que cometia delitos como corrupção, tortura, peculato, tráfico de drogas e integrar organização criminosa, em Fortaleza.

[Atualização: 03/01/2024, às 14h42] A reportagem foi atualizada porque nem todos os 24 policiais civis respondem pelos crimes de tortura e tráfico de drogas e nem todos integravam a DCTD. Mas o grupo responde por ainda mais crimes, conforme a participação individual de cada agente.

Em manifestação enviada à Vara de Delitos de Organização Criminosa, da Justiça Estadual, na última terça-feira (26), o MPCE afirmou que os motivos que levaram à decretação da medida cautelar de afastamento das funções ainda persistem.

Nesse contexto, salienta-se que a própria natureza do delito de integrar grupo criminoso organizado para prática de crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas, que configuram crimes permanentes, ratifica a contemporaneidade dos requisitos ensejadores da medida cautelar, sendo certo que a prova coligida indica acentuado grau de organização das ações criminosas, permanecendo presentes os requisitos do afastamento funcional."
Ministério Público do Ceará
Em manifestação

O Sindicato dos Policiais Civis de Carreira do Ceará (Sinpol-CE), através do coordenador jurídico, advogado Kaio Castro, pediu o retorno dos acusados à função pública, no dia 13 de junho último. A Vara de Delitos de Organização Criminosa ainda não proferiu decisão sobre o pedido.

O advogado alegou, no requerimento, que o prazo inicial de afastamento dos policiais do trabalho era de 12 meses, o que se encerrou em setembro de 2022 - há um ano e três meses. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) já revogou outras medidas cautelares que o grupo cumpria, como o uso de tornozeleiras eletrônicas e proibição de se ausentar da Comarca.

A medida beneficiaria 24 policiais civis, que retornariam aos quadros ativos da Polícia Civil do Ceará: Raimundo Nonato Nogueira Junior, Antônio Chaves Pinto Junior, José Audízio Soares Junior, Francisco Alex de Sousa Sales, Antônio Henrique Gomes de Araújo, Petrônio Jeronimo dos Santos, Fabio Oliveira Benevides, João Filipe de Araújo Sampaio Leite, Anderson Rodrigues da Costa, Harpley Ribeiro Maciel, Karlos Ribeiro Filho, André de Almeida Lubanco, Cristiano Soares Duarte e Edenias Silva da Costa Filho.

E ainda: Jose Amilton Pereira Monteiro, Madson Natan Santos da Silva, Antônio Henrique Gomes de Araújo, Antônio Márcio do Nascimento Maciel, Fabrício Dantas Alexandre, Gleidson da Costa Ferreira, Ivan Ferreira da Silva Júnior, Jose Airton Teles Filho, Rafael de Oliveira Domingues e Walkley Augusto Cosmo dos Reis.

Em nota, o advogado Kaio Castro destacou que "a maioria dos policiais civis não foram citados da denúncia. Embora a denúncia relate fatos que ocorreram há mais de 7 anos, o que por si só demonstra flagrante excesso de prazo e cumprimento antecipado de pena. Hoje, sequer exerceram o contraditório e a ampla defesa. Ademais, nenhuma medida cautelar pode ter caráter perpétuo. Aguardamos o bom senso da Justiça".

O Ministério Público denunciou os inspetores, além de três delegados da Polícia Civil e informantes do grupo criminoso, por cometerem uma série de crimes, como extorsão, tráfico de drogas, corrupção e tortura. As investigações se originaram de uma operação da Polícia Federal (PF) e contaram com o apoio da Coordenadoria de Inteligência (Coin), da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS).

Entre os episódios criminosos elencados na denúncia do MPCE, está uma extorsão a um suspeito de ordenar um homicídio, que foi monitorado por um ano e três meses pela suposta organização criminosa, sob comando do inspetor Petrônio Jeronimo dos Santos, o 'Pepeu'. Conversas entre os alvos, interceptadas com autorização judicial, mostraram que os policiais se preocupavam até em estarem bem vestidos, no momento da abordagem a esse alvo - o que aconteceu no dia 10 de maio de 2018. A investigação concluiu, que naquele dia, o grupo obteve "altos ganhos financeiros", mas não revelou o valor exato.

Um chefe de uma facção originária do Amazonas também teria sido alvo do grupo investigado. Conforme a denúncia, os policiais da DCTD cumpriram um mandado de busca e apreensão contra o suspeito, no dia 3 de junho de 2017, e "submeteram este a intenso sofrimento físico para que apresentasse importante quantidade de drogas que pudesse ser apreendida e, assim, render destaque da Divisão junto à cúpula da PCCE e à imprensa".

Inclusão de nomes dos investigadores

O Ministério Público do Ceará também se posicionou contrário a outro pedido formulado pela Coordenadoria Jurídica do Sinpol, a inclusão do nome dos policiais da Coin que contribuíram para a investigação nos relatórios enviados ao Poder Judiciário, para serem arrolados como testemunhas de defesa pelos policiais investigados.

Segundo o órgão acusatório, "não é obrigatória a identificação dos servidores, no contexto apresentado, para a licitude da prova produzida". "A ausência de identificação dos servidores responsáveis pela elaboração dos relatórios é essencial para a segurança desses agentes públicos, os quais, por desempenharem relevante função para a elucidação de fatos delitivos, podem ser alvos de retaliação, especialmente ao se considerar que o caso em apreço se trata de crimes cometidos por policiais civis, o que amplia as possibilidades de represálias para o contexto laboral", acrescentou.

A defesa dos policiais alegou que, na investigação do caso, houve "indícios claros de violação da cadeia de custódia das provas". "Observa-se que o conteúdo dos aparelhos celulares foi submetido a extrações e análises pela Policial Federal, conforme relatado anteriormente. No entanto, constata-se que somente parte desse conteúdo foi disponibilizado nos autos, excluindo-se aquilo que poderia ser favorável à defesa, além da manipulação indevida dos diálogos expostos", sustentou.

"Além disso, a ausência de identificação dos investigadores responsáveis pela confecção dos relatórios também gera dúvidas quanto à idoneidade e imparcialidade das análises realizadas. A falta de assinatura compromete a transparência e a verificabilidade dos procedimentos adotados na produção das provas", completou o advogado Kaio Castro.

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