Homens armados e encapuzados atacam acampamento de retomada indígena do povo Anacé, em Caucaia

Ataques aconteceram na madrugada e na noite desta quinta-feira (18)

Escrito por Redação ,
Povo Anacé tenta recuperar materiais que não foram destruídos no primeiro ataque
Legenda: Povo Anacé tenta recuperar materiais que não foram destruídos no primeiro ataque
Foto: Iago Barreto

Um grupo de homens armados e encapuzados ameaçou e intimidou indígenas do povo Anacé no território de retomada Parnamirim, em Caucaia, nessa quinta-feira (18). Conforme uma liderança da retomada e pela coordenação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Ceará, foram dois ataques no mesmo dia – o primeiro, com cerca de nove homens; o segundo, com quase o dobro de pessoas e ainda mais violento.

A liderança da retomada, cuja identidade será preservada, afirmou ao Diário do Nordeste que o primeiro ataque ocorreu na madrugada da quinta-feira. Na ocasião, oito ou nove homens avançaram contra as barracas que estavam no território e depredaram materiais e alimentos que estavam no local. Das 28 construções que abrigavam os indígenas da retomada, 27 foram destruídas.

“Receberam a gente com muita bala, muito tiro, incitando e provocando a gente a ir até eles”, conta a liderança. Apesar das ameaças, não houve feridos. Conforme a liderança, os homens foram enviados a mando do posseiro do território, que está em disputa desde setembro de 2022, quando o povo Anacé iniciou a retomada da área. 

Primeiro ataque aconteceu durante a madrugada desta quinta-feira (18)
Legenda: Primeiro ataque aconteceu durante a madrugada desta quinta-feira (18)
Foto: Arquivo pessoal

Enquanto o processo de demarcação aguarda a decisão federal sobre a ocupação legítima da terra, o espaço é ocupado diariamente por cerca de 50 indígenas, que se revezam entre a aldeia – nas proximidades do território – e o acampamento, em demonstração de resistência.

Após o ataque, os indígenas expulsos do território na madrugada conseguiram retornar ao acampamento e a Funai e a Polícia Militar foram ao local para tentar uma mediação. Durante toda a tarde, segundo Thiago Halley, coordenador da Regional Nordeste II da Funai – responsável pelas ações da instituição no Ceará –, houve uma tentativa de diálogo, mas o entendimento entre as partes não foi consolidado.

“Nos deparamos com representantes do grupo e um dos homens, que se identificou como acionista do grupo, conversou um pouco conosco”, conta Thiago. Na ocasião, segundo o coordenador, havia presença de pessoas que fazem a segurança patrimonial da fazenda que compreende o território de retomada e um grupo armado, que se afastou ao avistar representantes da Funai. 

Segundo ataque em menos de 24h

Depois da tentativa frustrada de acordo e da saída do efetivo de policiais e de representantes da Funai, no entanto, um novo ataque aconteceu. Na noite desta quinta-feira (18), cerca de 20 homens armados e encapuzados retornaram ao acampamento de retomada com tratores e mais violência, tendo inclusive agredido indígenas durante a invasão, conta a liderança do povo Anacé.

“Atiraram nas pessoas, bateram nas pessoas, tiraram a ponte que dá acesso à aldeia. Tinha muita gente, muita criança, muita mulher”, lamenta. 

A solução para o conflito, destaca a liderança, deve se dar em duas principais frentes: a intervenção da Polícia Federal (PF) na investigação e a demarcação do território Parnamirim como terra indígena.

De acordo com a Funai, a presença da PF já foi solicitada e o Ministério Público foi acionado para uma tentativa de reunião oficial de mediação entre as partes. “Um relatório está sendo feito para ser encaminhado ao Ministério dos Povos Indígenas, à presidência da Funai e a Polícia Federal, que foi acionada com urgência”, explica Thiago Halley. O documento deve finalizado ainda na tarde desta sexta-feira (19).

Além da necessidade da demarcação da terra indígena, o coordenador da Funai afirma que a própria Fundação tem enfrentado problemas para dar conta de conflitos como o ocorrido em Caucaia. Segundo Thiago, um grupo de trabalho que faz delimitação dos territórios está pausado porque a Funai não "dispõe de antropólogos suficientes" para a execução da pesquisa. 

Halley ressalta que no Ceará, no momento, não há nenhum antropólogo em atuação no órgão, algo decorrente "do processo de sucateamento pelo qual ele vem passando". "Mas se a terra já tivesse demarcada, não estaria passando por esse problema. Essa situação de conflito não estaria acontecendo", completa.

Governo diz que investiga e acompanha o caso

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou, através de nota oficial, que a Polícia Militar do Ceará (PMCE) foi acionada para a resolução do conflito, ocorrido em um território no bairro Garrote, em Caucaia. Na ocasião, houve uma mediação feita pelas composições do Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac) da PMCE. A Delegacia Metropolitana de Caucaia também investiga a situação.

“A SSPDS ainda destaca que mantém um termo de cooperação com a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepin), com a finalidade de discutir ações em prol da segurança dos povos originários. Além de formações iniciais e continuadas para as Forças de Segurança, o documento prevê um  Grupo de Trabalho Institucional para a formatação de um  Plano Estadual de Segurança Pública para os povos e comunidades indígenas do Estado do Ceará”, segue a nota.

Já a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepince), também por meio de nota, afirmou que está acompanhando o caso e que está “em diálogo contínuo com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social e com o coordenador da Regional 2 da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Ceará, buscando contribuir na mediação pacífica e tranquila”.

Segundo a Sepince, a proteção dos povos indígenas da área tem sido feita em ações conjuntas da SSPDS, “com efetivo constante na área”. Não houve informes, no entanto, sobre ações imediatas e específicas sobre o caso.

“Reiteramos nosso compromisso com a segurança e o bem-estar do Povo Anacé e continuaremos a monitorar a situação de perto, buscando sempre soluções que promovam a paz”, finaliza o comunicado.

Como denunciar

Ainda não há confirmação sobre a identidade dos homens que atacaram o território do Povo Anacé. Denúncias podem ser feitas pelo telefone 181 (Disque-Denúncia da SSPDS), pelo WhatsApp (85) 3101-0181 e pelo site do Serviço 181, neste link

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