De enfermaria sem maca à superlotação: Justiça ordena interdição parcial de presídio em Aquiraz
A expectativa, conforme monitoramento da Corregedoria de Presídios feito em dezembro de 2022, é que sejam retirados do prédio pelo menos 300 internos.
A superlotação atrelada aos problemas históricos de estrutura física resultou na determinação judicial de interditar parcialmente a Unidade Prisional de Triagem e Observação Criminológica (UPTOC), em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza. Nesse domingo (15), um dia após mais um preso fugir do prédio, a Justiça ordenou que a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) transfira o excedente de presos, considerando a capacidade de 372 vagas. A SAP afirmou, em nota, que fez melhorias no prédio e que a interdição sem um planejamento "vai acarretar uma importante sobrecarga nas unidades que receberão o fluxo de redistribuição".
A expectativa, conforme monitoramento da Corregedoria de Presídios feito em dezembro de 2022, é que sejam retirados do prédio pelo menos 300 internos. A reportagem do Diário do Nordeste questionou a SAP para onde irão esses presos e se há previsão de reforma na unidade.
A SAP informou também que a unidade abriga internos em transição de entrada no sistema prisional e passou por "constantes melhorias em sua estrutura física nos últimos 4 anos". Disse ainda que "apesar de uma edificação original de media proporção, os espaços de ocupação de celas, convivência e área de trabalho foram beneficiadas por reformas".
PRESOS NO CHÃO
Consta no documento assinado pelo magistrado Raynes Viana de Vasconcelos diversos pontos sobre as condições estruturais do equipamento. Dentre eles, "a péssima condição estrutural da enfermaria, onde havia inclusive detentos alojados no chão, sem macas disponíveis, ensejou a prolação de decisão por este corregedor quando da inspeção realização no mês de outubro de 2022, proibindo-se a permanência de internos em tal setor acima da disponibilidade de leitos disponíveis. Ocorre que, em inspeção realizada no mês de dezembro, registrou-se o descumprimento da determinação".
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Atualmente, o UPTOC é a porta de entrada do Sistema Penitenciário do Ceará, recebendo inclusive presos com doenças pré-existentes. Agora, a partir da decisão judicial, a Secretaria tem 15 dias para transferir todos os custodiados que excederem o limite de 372 e está proibida de inserir no prédio "internos em quantidade superior a tal número".
"Consigne-se que, embora a respectiva unidade esteja passando por reformas, verifica-se demora substancial para a sua evolução e conclusão. Como exemplo, no módulo de segurança (selvinha), apenas 02 alas foram reformadas no curso do ano de 2022 e, no módulo principal, apenas 04 receberam melhoramentos no mesmo período. Deve-se anotar, outrossim, que tais reformas não atingem de forma satisfatória a estrutura arcaica da edificação, além de não ensejar a construção de novos espaços. É o que se pode observar novamente nas atas de inspeções realizadas em 2022"
VIOLAÇÕES AOS DIREITOS
O advogado criminalista Francisco Roberto Castelo Branco esteve na Unidade Prisional nos últimos meses em visita a clientes e diz que o local "não tem condições de proporcionar a harmônica integração social do internado". "Mesmo com várias reformas e melhorias realizadas pela atual gestão, as condições são insalubres, arcaicas e estruturas antigas", opinou.
O juiz também reconhece os reforços da administração, mas destaca que as violações aos direitos permanecem e "os índices de superlotação não têm experimentado redução contínua".
"A própria estrutura física da unidade não parece se mostrar adequada ao acolhimento de internos, uma vez que o prédio é bastante antigo - remontando sua inauguração ao ano de 1970, com condições de luminosidade e de ventilação precárias, tendo sido construído para atendimento de uma perspectiva diversa da que a prisão encontra atualmente no ordenamento jurídico pátrio e no entendimento dos órgãos de execução penal. Não há salas de aula, espaços apropriados para atividades laborais ou recebimento de visitantes, refeitórios ou oficinas, além de dispor de apenas um pátio para o banho de sol", conforme o magistrado.
O equipamento já havia sido interditado em 2010 e reativado em 2016, como medida emergencial para o encerramento da permanência de presos em delegacias.
NÚCLEO DE APOIO
O juiz corregedor ressalta que cabe a Corregedoria de Presídios "inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade", assim como para "interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos" da Lei de Execuções Penais".
Na última semana, a Diretoria do Fórum Clóvis Beviláqua (FCB) instalou e regulamentou o funcionamento do Núcleo de Apoio às Varas de Execuções Penais e da Corregedoria de Presídios de Fortaleza (NUAVEPCOR), que atuará no desenvolvimento e acompanhamento de atividades de suporte administrativo.
"A criação é uma medida no sentido de regular e aprimorar atividades que já existiam. Não é em decorrência, nem atrelado às denúncias de tortura. É basicamente formalização e aperfeiçoamento das atividades já desempenhadas"
Conforme o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), no âmbito da Corregedoria de Presídios, o Núcleo auxiliará na execução das atividades relacionadas às inspeções em unidades prisionais da Comarca de Fortaleza e atividades correcionais próprias da Corregedoria dos Presídios, desempenhadas pelo juiz corregedor.
Nota da SAP na íntegra
A Secretaria da Administração Penitenciária informa que a Unidade Prisional de Triagem e Observação Criminológica, que abriga internos em transição de entrada no sistema prisional, passou por constantes melhorias em sua estrutura física nos últimos 4 anos. Apesar de uma edificação original de media proporção, os espaços de ocupação de celas, convivência e área de trabalho foram beneficiadas por reformas. A SAP também ressalta que construiu mais de 5 mil vagas em unidades prisionais existentes desde 2019, além de ter inagurado mais duas unidades para diferentes finalidades e diminuiu, em trabalho conjunto com outros poderes, sua população carcerária de 30 para 21 mil pessoas. Por fim, a Pasta entende que a transferência desse montante de pessoas privadas de liberdade, sem um planejamento alinhado, vai acarretar uma importante sobrecarga nas unidades que receberão o fluxo de redistribuição.