Condenado por enviar droga do Ceará para a Europa em garrafas de cachaça é solto pelo STJ

Homem foi condenado pela Justiça Federal no Ceará a 304 anos de prisão, por tráfico internacional de drogas, organização criminosa e lavagem de dinheiro

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Legenda: Em setembro de 2015, a PF deflagrou a Operação Cardume, mas a investigação havia começado em 2013
Foto: Foto: Natinho Rodrigues 

Um homem condenado pela Justiça Federal no Ceará a 304 anos de prisão, por tráfico internacional de drogas, organização criminosa e lavagem de dinheiro, foi solto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão proferida na última terça-feira (12). O alvará de soltura foi cumprido na última sexta (15), na Penitenciária Regional de Presidente Venceslau, em São Paulo.

Antônio Márcio Renes Araújo foi um dos alvos da Operação Cardume, deflagrada em 2015 pela Polícia Federal (PF) para desarticular um esquema criminoso, constituído por empresários e membros de uma facção criminosa paulista, para enviar grandes cargas de cocaína do Ceará para a Europa. Uma das estratégias da quadrilha era engarrafar a droga, em garrafas de cachaça.

O STJ acatou por unanimidade um Agravo Regimental da defesa de Antônio Márcio, que alegava constrangimento ilegal e excesso de prazo na prisão. E determinou a substituição da prisão preventiva pelo cumprimento de medidas cautelares, a serem definidas pelo juiz da Primeira Instância.

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O réu teve a prisão decretada pela Justiça Federal e cumprida durante a Operação Cardume, no dia 29 de setembro de 2015. Em maio de 2018, ele foi solto por uma decisão liminar, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, um ano depois, ao analisar o mérito do habeas corpus, o Supremo negou a soltura. Antônio Márcio foi recapturado em 2021.

O ministro do STJ Messod Azulay Neto, relator do Agravo Regimental, considerou que "o Agravante se encontra com a liberdade restringida única e exclusivamente pela gravidade dos delitos em abstrato, salientando-se a ausência de violência ou grave ameaça".

A complexidade fática e a pluralidade de acusados, ao meu sentir, não é, como parece, uma justificativa, incidente em toda e qualquer etapa da marcha do processo, tendente a rechaçar a alegação de excesso de prazo e, não se constata a responsabilidade do agravante pela demora no desfecho do processo."
Messod Azulay Neto
Ministro do STJ

A defesa de Antônio Márcio Renes Araújo, representada pelo advogado Mayko Renan Carlos Alcântara, afirmou que "embora ninguém discorda da necessidade de apuração de todos os fatos e de responsabilização dos autores, mediante devido processo legal, assegurado contraditório e ampla defesa, e considerada a presunção de inocência, aplicando-se as penas previstas em lei, não há em nosso ordenamento jurídico antecipação de pena, tampouco possibilidade de prisão preventiva de pessoas que não representam perigo a outras pessoas e à ordem pública".

O fato é que a Operação Cardume se arrasta há anos com a manutenção de decreto de prisão preventiva. A Justiça corrigiu os excessos em que se revelava essa prisão preventiva acerca de fatos oriundos de meados de 2013, mantendo nosso constituinte preso de maneira injusta. O STJ não hesitou em distribuir a lídima e célere justiça."
Mayko Renan Carlos Alcântara
Advogado de defesa

Prisão por violência doméstica

Quando a liminar que o soltou foi derrubada pelo STF, Antônio Márcio Renes Araújo virou foragido, em 2019. Mas ele foi recapturado apenas dois anos depois, em maio de 2021, quando policiais militares de São Paulo foram acionados para uma ocorrência de violência doméstica, em um condomínio de luxo no Município de São Bernardo do Campo.

Antônio Márcio foi preso em flagrante, por suspeita de agredir a namorada e mantê-la em cárcere privado. Ao ser abordado pela Polícia Militar, o homem chegou a fornecer o nome errado e uma propina no valor de R$ 1 milhão para não ser preso, segundo o site Repórter Diário, da região do ABC Paulista.

Em maio de 2022, a Justiça Estadual de São Paulo condenou Antônio Márcio a 9 anos e 4 meses de reclusão, pelos crimes de sequestro e cárcere privado, ameaça, uso de documento falso, falsificação de documento público e corrupção ativa, mas o absolveu do crime de lesão corporal dolosa. 

A defesa recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que desclassificou o crime de uso de documento falso para falsa identidade e diminuiu a pena para 4 anos e 4 meses de reclusão, em março deste ano.

Envio de cocaína para a Europa

O processo originado pela Operação Cardume reunia 28 réus. Destes, 25 foram condenados inicialmente a mais de 1.300 anos de prisão, se somadas as penas, por crimes como organização criminosa, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, por decisão da 11ª Vara da Justiça Federal no Ceará, em setembro de 2017. Dois acusados pelos crimes tiveram as penas extintas porque foram mortos durante o processo e um réu foi absolvido pela Justiça.

300 kg
de cocaína e R$ 6 milhões por mês eram movimentados pelo esquema criminoso, formado a partir de uma sociedade entre traficantes do de uma facção paulista e empresários, conforme as investigações da PF. 

O negócio trazia ilícitos da Bolívia e do Paraguai, que passavam pelo Ceará e eram exportadas para a Itália e Portugal, na Europa. O grupo se utilizava de ônibus, caminhões e aviões e se valia de contatos internacionais para auxiliar a rota dos entorpecentes entre os dois continentes.

A PF identificou, dentro da organização criminosa, núcleos voltados especificamente para o tráfico internacional de drogas, contrabando de armas, desvio de insumos químicos e lavagem de dinheiro. Os investigadores estimam que, pelo menos, R$ 20 milhões tenham sido "lavados", por 32 empresas registradas no Ceará.

O empresário Cícero de Brito, apontado como o líder do esquema criminoso, foi condenado a 312 anos de prisão. Segundo as investigações, ele era o principal importador de drogas da Bolívia e contou com a ajuda de Antônio Márcio para desenvolver um modelo inovador de exportação de droga engarrafada.

Cícero segue preso, mas o advogado Mayko Alcântara espera que ele também seja solto pelo STJ, por extensão do benefício concedido ao outro réu. "Ponderamos que, por algumas acusações imputadas ao Sr Cícero de Brito, no que tange a eventos de internacionalidade de entorpecentes, na própria sentença ele foi absolvido. Tendo permanecido uma única condenação fruto de provas extraídas de delação premiada invalidada e por fato julgado na esfera Estadual, há anos antecedentes à Operação Policial", alega a defesa.

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