Reeleição no Congresso tem resistência de parlamentares do Ceará

Enquanto o Supremo avalia drible na Constituição que pode favorecer Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre na Câmara e no Senado, bancada cearense se mostra, em geral, contrária ao precedente que poderia ser aberto

Escrito por Flávio Rovere , flavio.rovere@svm.com.br
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Legenda: A Constituição proíbe os chefes das Casas de tentarem a recondução no posto dentro da mesma legislatura
Foto: Agência Senado

As eleições para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado abrem os trabalhos legislativos em Brasília no início de fevereiro. Mas, desde já, a escolha dos comandantes das casas agita os bastidores da capital federal, não só em decorrência das articulações dos partidos para indicar os nomes que disputarão votos, mas também pela possibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) permitir a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) dentro de uma mesma legislatura, decisão que, se confirmada, tende a gerar mal estar e críticas entre a maioria dos parlamentares, inclusive na bancada cearense.

Na Câmara, o único nome já lançado é o de Arthur Lira (PP-AL), liderança do Centrão que conta com a preferência e o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Outras siglas aguardam a definição de Rodrigo Maia, que pode apoiar deputados como Baleia Rossi, presidente nacional e líder do MDB na Casa, ou Marcos Pereira, que é presidente do Republicanos e vice da Câmara. Provocado por uma ação direta de inconstitucionalidade do PTB, o STF tem até a próxima sexta-feira (11) para decidir a possibilidade de reeleição, que é proibida pela Constituição dentro de uma mesma legislatura. Ontem, a votação dos ministros atingiu placar de quatro votos favoráveis e três contrários às novas candidaturas. Faltam três votos.

Rodrigo Maia está na terceira oportunidade como presidente da Câmara, mas chegou pela primeira vez ao cargo em um mandato-tampão, após o afastamento de Eduardo Cunha (MDB-RJ) em 2016, por conta de investigações da Operação Lava Jato. As eleições seguintes foram em legislaturas diferentes.

Entre deputados da bancada federal cearense, a hipótese de reeleição, em geral, não é bem aceita. Líder da Oposição, André Figueiredo (PDT) considera a possibilidade "completamente descabida" e "perigosa" para o futuro da Casa. "Acho um absurdo, e não é por conta do Rodrigo. Mas é por conta do precedente que isso pode abrir, que é extremamente prejudicial à democracia. Você, quando está na presidência, tem um poder muito forte, porque o regime da Câmara é muito presidencialista. Você pauta o que você quer, quando quer, e isso, dentro de um viés de um presidente que não tenha a democracia como uma de suas características de atuação, pode gerar a eternização dessa pessoa, fazendo com que o Parlamento se enfraqueça".

Constituição

Deputado mais alinhado com o Governo, Danilo Forte (PSDB) compartilha de opinião semelhante. "Acho isso uma diminuição muito grande das instituições republicanas. A Constituição é muito clara, e um dos princípios mais preponderantes da democracia é a capacidade de alternância de poder. Eu já votei no Rodrigo duas vezes, tenho uma relação pessoal muito boa com ele, tenho uma relação de amizade com o Davi, mas eu acho que o problema não está nas pessoas, o problema está em preservar as instituições. Isso é que faz o enfraquecimento da democracia e o descrédito às instituições", pontua.

Comprometido com o apoio do partido à candidatura de Arthur Lira, Júnior Mano (PL) acredita que Maia não tem intenção de chegar a um quarto mandato, mas, ainda assim, critica a concessão que pode ser feita pelo STF. "A gente já deu a oportunidade do Rodrigo, agora é a oportunidade de outros. Isso vai abrir precedente para todas as câmaras e assembleias".

Posicionamento diferente tem o deputado Idilvan Alencar (PDT), que considera Rodrigo Maia alternativa viável para derrotar nome escolhido por Bolsonaro.

"Se a gente tem possibilidade de alguma coisa mais progressista que o Maia, vamos ver o que aparece. Não é hora de arriscar, as eleições mostraram isso. A gente precisa olhar para o cenário e o ver o que é menos ruim, digamos assim, para o Brasil. Quem são os candidatos? É Maia e Lira? Então eu vou de Maia. Mas tem algum nome que faça oposição mais forte ao Bolsonaro? Então eu vou com esse nome", reforça. Para Idilvan Alncar, a decisão do Supremo deve ser respeitada. "É o órgão que faz a interpretação da Constituição. Cada poder com sua função", conclui.

Em setembro, Rodrigo Maia chegou a afirmar que não seria candidato e que não colocaria em votação uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que alterasse a Constituição para permitir reeleição em uma mesma legislatura. No senado, porém, Davi Alcolumbre tem articulado, nos últimos meses, apoio dos colegas para tentar se manter na presidência. Apresentada com 30 assinaturas, tramita na Casa uma PEC da senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) com o objetivo de permitir a recondução dos presidentes por períodos subsequentes.

Senado

Uma carta subscrita por 14 senadores, entre eles os cearenses Tasso Jereissati (PSDB) e Eduardo Girão (Podemos), também considera que a mudança, partindo do Tribunal "guardião da Constituição", é inconstitucional, e que só uma PEC, aprovada em dois turnos, nas duas casas, poderia modificar o texto. "Consideramos que a alternância de poder é essencial para a democracia. O Congresso Nacional deve respeitar a Constituição Federal que muitos de seus antigos membros ajudaram a construir e a qual estará sempre submetido", diz trecho do documento.

Os senadores criticam o que consideram que seria uma ingerência do Judiciário sobre o Legislativo, em especial sobre o processo de promulgação da Constituição de 1988. "O constituinte originário discutiu o tema e rejeitou a reeleição, como apontam os registros da época. O Congresso Nacional, a posteriori, foi provocado por Proposta de Emenda a discutir a reeleição, que foi novamente rejeitada. Tentar alterar por via judicial essa escolha política representa evidente subversão à separação dos poderes", cita a nota.

Para jurista, tese é inconstitucional

A Constituição de 1988, no parágrafo 4° do art. 57, que versa sobre o funcionamento do Poder Legislativo Federal diz: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. 

No Supremo Tribunal Federal, o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo PTB tem o placar de quatro votos a favor da reeleição e três divergências. O ministro Nunes Marques adotou entendimento de que apenas Davi Alcolumbre, no Senado, poderia ser reeleito. “Se o Presidente da República pode ser eleito uma única vez – corolário do princípio democrático e republicano – por simetria de dever e integridade, este mesmo limite deve ser aplicado aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”, afirmou no voto. 

Doutor em Direito Constitucional, Felipe Braga avalia que ambas as eleições são inconstitucionais. “O mandato é de quatro anos, não é possível dentro desses quatro anos uma reeleição. Já há parecer da Câmara e Senado no sentido de que, se eu me reeleger para um novo mandato, aí eu poderia realmente me reconduzir ao cargo. Nesse caso, não vejo problema, não há deturpação do texto constitucional. Mas manter a reeleição durante os quatro anos de um mandato é algo que fere de modo muito claro, muito expresso, o texto da Constituição. Por mais que tenha Regimento Interno, pareceres, no sentido contrário, essas normas não podem violar o texto da Constituição”, assegura. 

O jurista critica o entendimento adotado pelo relator, ministro Gilmar Mendes, e seguido pelos colegas Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. “Eu discordo muito da decisão do Supremo. Porque eles seguem uma interpretação de que essa norma foi criada na Constituição anterior, no Regime Militar, e que o contexto atual seria outro. Mas o dispositivo foi recepcionado e copiado pela Constituição de 1988, então eu não acho que esse resquício do período militar seja fundamento para que você julgue inconstitucional uma norma da Constituição, desvalide aquilo que ele claramente está querendo demonstrar. O caso seria de ser feita uma emenda constitucional”, explica Felipe Braga. 

Estados

Apesar do impasse no Congresso, no País há, em cidades e estados, inúmeros casos de reeleição que chamam atenção. Themístocles Filho (MDB), por exemplo, preside a Assembleia Legislativa do Piauí desde 2005.

Ceará

No Ceará, recentemente Zezinho Albuquerque (PDT) comandou a Mesa Diretora da Assembleia por três biênios (2013/ 2014, 2015/2016 e 2017/2018), em duas legislaturas diferentes. Em ambos os casos, as constituições estaduais permitem a reeleição.

Placar

No STF, até agora, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes admitiram a possibilidade de reeleição. Já Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia e Rosa Weber defenderam barreira à reeleição. Nunes Marques foi a favor de regra intermediária.

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