Ministro do STF suprime trecho da Lei da Ficha Limpa; veja o que muda

Com a decisão de Kassio Nunes Marques, a inelegibilidade não pode ultrapassar oito anos. A mudança foi criticada por instituições de defesa da legislação

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(Atualizado às 14:00)
Ministro emitiu decisão que muda a Lei da Ficha Limpa
Legenda: Ministro emitiu decisão que muda a Lei da Ficha Limpa
Foto: Fellipe Sampaio/STF

Em decisão liminar (provisória) o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), suprimiu um trecho da Lei da Ficha Limpa que determinava que o prazo de oito anos de inelegibilidade começava a ser contado após o cumprimento da pena. Pela lei, o político se torna inelegível com a condenação por órgão colegiado até o trânsito em julgado – quando se esgotam todos os recursos –, segue sem direitos políticos enquanto cumpre a pena e fica inelegível por oito anos após o cumprimento.

Agora, com a decisão de Kassio, a inelegibilidade não pode ultrapassar oito anos. Antes, se o político fosse condenado a 5 anos, com mais 8 de inelegibilidade, só poderia disputar a eleição após 13 anos. Com a decisão, pode disputar a eleição passados 8 anos, e não os 13.  A decisão vale somente para processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação.

O encaminhamento dado por Kassio foi alvo de críticas de movimentos de defesa da Ficha Limpa, que veem desmonte da lei e estímulo à corrupção. Como é liminar, a decisão tomada no último sábado (19), um dia após a última sessão do STF e na véspera do início oficial do recesso do Judiciário, deve ser analisada pelo plenário da corte em 2021.

A Lei

A Lei da Ficha Limpa diz que são inelegíveis "os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena" por dez tipos de crime, como aqueles contra a vida (homicídio) e a dignidade sexual (estupro), contra a economia popular, a fé pública, a administração pública (como corrupção) e o patrimônio público, contra o meio ambiente e a saúde pública, de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, por exemplo.

Kassio Nunes suprimiu a expressão "após o cumprimento da pena". Na prática, isso restringe o período de inelegibilidade. A decisão vale somente para processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação, inclusive no âmbito do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF.

"A ausência da previsão de detração [abatimento da pena total por já se ter cumprido parte dela], a que aludem as razões iniciais, faz protrair por prazo indeterminado os efeitos do dispositivo impugnado, em desprestígio ao princípio da proporcionalidade e com sério comprometimento do devido processo legal", diz Kassio, que passou a integrar o STF em novembro deste ano, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Ele argumenta ainda que "impedir a diplomação de candidatos legitimamente eleitos, a um só tempo, vulnera a segurança jurídica imanente ao processo eleitoral em si mesmo, bem como acarreta a indesejável precarização da representação política pertinente aos cargos em análise".

PDT

O ministro atendeu a um pedido do PDT. Na ação direta de inconstitucionalidade, o partido alega que não pretende questionar os propósitos da lei, "mas tão somente assegurar que o prazo de 8 (oito) anos trazido por tal lei seja respeitado, sem o aumento indevido por meio de interpretação que viola preceitos, normas e valores constitucionais".

A legenda diz que o trecho que acabou sendo cortado "vilipendia direitos e garantias fundamentais", porque a interpretação da expressão tem proporcionado inelegibilidade por tempo indeterminado dependendo do tempo de tramitação do processo.

O PDT argumenta que "a antecipação do cumprimento do prazo de inelegibilidade (para a 'condenação por órgão colegiado') acabou por produzir uma inelegibilidade por prazo indeterminado". Isso porque o político se torna inelegível com a condenação por órgão colegiado até o trânsito em julgado, depois, por causa do que está previsto na Constituição, segue sem direitos políticos enquanto cumpre a pena e ainda continua inelegível por oito anos após o cumprimento da pena.

A sigla explica na ação que, como a Lei da Ficha Limpa não foi aplicada nas eleições de 2010, o efeito do trecho questionado só veio a ser sentido de maneira mais significativa nas disputas deste ano, oito anos após o início da vigência da lei, nas eleições de 2012. De acordo com o PDT, dos 557.406 pedidos de registros de candidaturas, 2.357 foram indeferidos com base na Lei da Ficha Limpa.

A ação, porém, diz o partido, não se refere a todos estes casos, já que nem todos os indeferimentos se deram com base no trecho alterado pela decisão do ministro e que há casos em que o prazo de inelegibilidade já foi cumprido antes do marco temporal estabelecido.

Críticas

A decisão gerou crítica do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que viu na medida "uma articulação de forças que pretende esvaziar a lei, com ataques pontuais que visam dilacerar o seu conteúdo sob alegação de aperfeiçoá-la, tentativa essa oriunda daqueles que podem ser atingidos por ela ou que buscam poupar seus aliados".

O movimento disse ainda, em nota, que "todas as medidas possíveis serão tomadas e o nome de todos que estão tentando destrui-la serão conhecidos".