Juiz de garantias alimenta críticas e ações no Supremo

Com previsão para entrar em vigor no dia 23 de janeiro, entidades colocam em dúvida a implementação do projeto dentro do prazo estabelecido. O STF deve se pronunciar após três ações diretas de inconstitucionalidade

Escrito por Wagner Mendes , wagner.mendes@svm.com.br
Legenda: O Supremo deverá se posicionar em relação a ADIs que foram provocadas no fim de dezembro e início de janeiro
Foto: Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF

A duas semanas para entrar em vigor no País, o novo modelo de Justiça, o "juiz de garantias", motiva dúvidas de setores sociais e levanta questionamentos. Se por um lado a aprovação da medida procurou dar maior transparência aos julgamentos, por outro há críticas da forma como o projeto foi aprovado no Parlamento.

O presidente da Associação Cearense do Ministério Público (ACMP), Aureliano Rebouças, diz que o texto da proposta "acabou sendo pouco discutido no Congresso Nacional". O argumento é o mesmo utilizado pelo presidente da Associação Cearense dos Magistrados, Daniel Carneiro, ao alegar que a matéria foi aprovada "sem nenhuma discussão".

Aureliano Rebouças diz que "é muito difícil tecer juízo de valor" sobre o modelo sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro antes de entrar em vigor, e que a implementação e o cumprimento do prazo irão "caber ao Judiciário se oferecer os meios para que não haja nenhum prejuízo à população". Implementar o método no Ceará, segundo o presidente da ACMP, "vai depender do aparato humano, de como vai ser disposto pelo Poder Judiciário. Mais do que uma reestruturação, é preciso investir em material humano, juízes, promotores, servidores que possam assessorar para que possam prestar um serviço jurisdicional mais eficiente", disse o promotor.

Já o presidente da ACM argumenta que o prazo do dia 23 de janeiro para colocar em prática a lei não é razoável. "O instituto de juiz de garantias, que estava no projeto do novo código de processo penal, jogaram no pacote anticrime em discussão de como implementá-lo e num prazo muito curto. Não tem como implementar esse instituto até o dia 23. Se implementar, vai ficar malfeito", prevê o juiz Daniel Carneiro. Procurado, o Tribunal de Justiça do Ceará, através da assessoria de imprensa, afirmou que só deve se pronunciar após posição oficial do Conselho Nacional de Justiça, que criou um grupo de trabalho para estudar o assunto. A primeira reunião ocorreu no dia 3 de janeiro. A expectativa é que o CNJ se pronuncie no dia 15 deste mês.

Implementação

Para o doutorando em Direito Constitucional, Eduardo Girão, da Universidade de Fortaleza, o juiz de garantias serve para o fortalecimento do devido processo criminal e ao combate da criminalidade. Ele acredita que, como o Judiciário brasileiro é composto por varas e tribunais diferentes entre si, "haverá uma efetivação gradual, respeitadas as peculiaridades de cada unidade federativa".

De acordo com o pesquisador, o Ceará tem experimentado "uma boa integração entre os Poderes para a melhoria do Judiciário" e que, apesar das dificuldades, os índices de produtividade têm melhorado, "graças à valorização da primeira instância, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, nas duas últimas gestões do TJ-CE, fazendo com que o Ceará seja destaque e referência nacional, por exemplo, na efetivação das audiências de custódia".

"Ressalto que o juiz de garantias é uma política pública e, como tal, precisa ser reavaliada e, eventualmente, aprimorada, a partir dos resultados e indicadores concretos verificados ao longo de sua execução", reforça. Os avanços, segundo ele, podem ajudar na implementação do modelo de juiz de garantias no Estado do Ceará.

Na avaliação da pesquisadora do Direito Constitucional, Mariana Dionísio, da Universidade de Fortaleza, "a implementação é possível, e necessária".

Apesar dessa necessidade, a professora argumenta que "qualquer medida que venha a trazer uma modificação estrutural, e talvez orçamentária na estrutura do Poder Judiciário, exige cautela, sobretudo porque envolve o exercício de funções jurisdicionais de investigação e julgamento de maneira diferenciada".

A pesquisadora Mariana ressalta que a realidade do Judiciário brasileiro ainda convive com um número reduzido de magistrados, que se dividem em comarcas diferentes para atender a uma demanda crescente, o que impõe "uma severa organização para converter a figura do juiz de garantias em uma política pública estratégica e adequada à dimensão dos problemas".

A professora também destaca os avanços da Justiça cearense nos últimos anos para se adaptar aos novos modelos de julgamento e de abordagem dos processos.

Ela diz que "o Poder Judiciário do Ceará tem demonstrado avanços relevantes no que diz respeito ao acesso à Justiça e melhora da prestação jurisdicional", e que "as duas últimas gestões do TJ-CE, por exemplo, se notabilizaram pela valorização da 1ª instância e busca pela efetividade dos julgamentos, incluindo-se o combate à criminalidade".

A reestruturação que promete maior efetividade nos julgamentos deve ser implementada em cinco anos no TJ-CE.

Supremo recebeu três ADIs contra “juiz de garantias”

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá se posicionar nos próximos dias em relação a, pelo menos, três questionamentos do modelo de juiz de garantias, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.
A primeira é da Associação dos Magistrados Brasileiros (6298), a segunda do Partido Trabalhista Nacional (6299) e a terceira do Partido Social Liberal (6300). 

A AMB e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) criticaram, por exemplo, que “a criação do juiz das garantias apenas em primeira instância configura hipótese de ofensa ao princípio da igualdade, que resulta na nulidade do próprio juiz das garantias”.

“Se assim é, não podia o legislador ordinário federal promover a criação do juiz das garantias — uma classe própria de juiz, com competência definida e restrita à fase de investigação criminal — sem incidir no vício formal do art. 93 da CF”. Trecho faz referência à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

Uma das críticas mais recorrentes, em diversas frentes nacionais, é o prazo para o cumprimento da medida. Embora não haja a previsão de novos gastos para a implementação do método, há insegurança por parte dos tribunais estaduais para colocar o projeto em prática. 

A expectativa é que seja possível a prorrogação desse prazo pelos próximos seis meses.

Ontem, o Diário do Nordeste questionou o STF sobre a possibilidade de adiamento do prazo do dia 23 de janeiro, tendo em vista os questionamentos da classe jurídica. 

A Suprema Corte, no entanto, se limitou a dizer que “o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, ainda não decidiu sobre os pedidos de liminar nas ações que questionam o juiz das garantias (ADIs 6298, 6299 e 6300)”. 

É o ministro Luiz Fux que segue de plantão no recesso de janeiro. O assunto deve pautar o início de ano do Judiciário e do parlamento brasileiro. 

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