Em cenário de crise, prefeituras do Ceará se mobilizam para manter festejos de Carnaval
Enquanto alguns municípios anunciam que não custearão programações, outros ajustam as contas para bancar festas nos dias de folia em prol da arrecadação no comércio e da manutenção da tradição festiva que ajuda a atrair turistas
A realidade de aperto e de crise financeira se agrava entre as prefeituras do Ceará, mas a proximidade do Carnaval tem desafiado gestões municipais a acertar os cálculos dos cofres públicos e adotar novas estratégias para fortalecer os impactos econômicos positivos gerados pelas festividades. A menos de um mês da data, prefeituras se apressam para contratar bandas e estrutura física de grandes eventos.
Levantamento do Sistema Verdes Mares, no Portal da Transparência dos Municípios, mostra movimentação pró-Carnaval em, pelos menos, 23 municípios, com publicações de contratos de artistas e licitações para contratação de infraestrutura. O número deve aumentar nos próximos dias. Até agora, duas cidades cancelaram gastos públicos com a festa. Nesse período, órgãos de fiscalização e controle redobram atenção no combate à corrupção já que contratos de artistas, por exemplo, não exigem licitação e não têm uma tabela de valores que possibilite comparações.
Em 2020, a cidade de Cascavel, no litoral leste, volta a promover festas no período depois de seis anos de suspensão. “Não é que a gente tenha verba sobrando”, pontua a secretária-adjunta de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Rosana Lima. A atual gestão assumiu a Prefeitura há menos de um ano, após a cassação dos gestores reeleitos em 2018.
“Nos seis anos da gestão passada, o Carnaval tinha sido cancelado através de decreto. A Cidade perdeu muito com a falta da festa. Existe uma demanda de oportunidade de trabalho, mesmo que temporário”, afirma Rosana. A Prefeitura ainda não divulgou o custo das atrações, mas faz licitação para cessão do uso de espaço público por empresas privadas.
Em São Benedito, na Serra da Ibiapaba, a Prefeitura percebeu o impacto da não realização do “Benefolia” em 2019, segundo o prefeito Gadyel Gonçalves (PCdoB). “No ano passado, não tivemos Carnaval, os comerciantes ficaram preocupados e nos mostraram o prejuízo que isso trouxe. Desde aí começamos a nos programar”, afirma.
As atrações do “Benefolia 2020” estão entre as mais caras registradas até agora no Portal da Transparência. Serão mais de R$ 900 mil gastos com os artistas Wesley Safadão, Gustavo Mioto e Jonas Esticado. A estratégia para driblar o alto custo do evento foi se aliar à iniciativa privada.
“Esse vai ser o primeiro Carnaval em Parceria Público-Privada. A despesa não será atribuída totalmente ao Município. Estamos viabilizando a parceria com empresas que vão custear toda a infraestrutura, as bandas de apoio e ainda dão aporte financeiro para que o Município possa diminuir (os custos) na atração nacional”, destaca Gadyel.
Realizar grandes eventos é também uma estratégia de posicionamento político de gestores tanto no que diz respeito à imagem que se cria junto à população quanto a como o município é visto na região.
Na última semana, ao divulgar o Carnaval de Quixadá, o prefeito Ilário Marques (PT) frisou que a iniciativa é parte da meta de consolidar o papel da Cidade no Sertão Central. “(Temos) a maior infraestrutura, a maior movimentação econômica, financeira; e um grande centro de serviço, de comércio, (uma cidade), universitária. Somos uma opção àqueles que estão um pouco enjoados de praia”, disse.
Na coletiva de lançamento do evento, o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Quixadá, Pedro Baquit, fez ponderações sobre a organização da gestão em contratar bandas dentro de um orçamento e em diálogo com o que a população desejava para a festa. “A gente fala de ser o maior Carnaval do Sertão Central com muita propriedade, mas é um Carnaval que cabe dentro da realidade que o município tem”, frisou.
Aperto
O presidente da Associação Cearense dos Municípios do Estado (Aprece) e prefeito de Cedro, Nilson Diniz, pontua que o ano começou com uma queda no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fonte de recursos da grande maioria das cidades do Ceará.
Além disso, ele ressalta que há uma perspectiva de queda na arrecadação no primeiro semestre. Diante do cenário, “nossa orientação é de que apertem os cintos”, diz Diniz. Ainda assim, ele reconhece que há cidades que têm tradição carnavalesca e o gasto é “questão de investimento”.
Dentre as prefeituras que anunciaram festejos de Carnaval até agora, três delas estão na lista de situação de emergência por seca ou estiagem: Aracati, Cascavel e Quixadá.
Desde o início da crise hídrica no Ceará, em 2013, o Governo do Estado não mais estimula despesas com o Carnaval nos municípios. Outra orientação da Aprece é que o Poder Público envolva a iniciativa privada nos eventos para reduzir o impacto nos cofres. “O dinheiro esse ano vai ser curto. O Carnaval é uma coisa que você pode escolher fazer ou não”, ressalta Diniz.
Canceladas
Na última quinta-feira (30), a Prefeitura de Ubajara anunciou o cancelamento do Carnaval na cidade. O prefeito Renê Vasconcelos afirmou que a verba pública que seria utilizada na festa, de cerca de R$ 250 mil, será destinada à área da Saúde para pessoas com deficiência.
Em 15 de janeiro, a prefeita de Granja, Amanda Aldigueri (PDT), também anunciou o cancelamento dos festejos. Segundo ela, a verba de cerca de R$ 1,2 milhão será reservada a ações de proteção social e de infraestrutura, que amenizem impactos negativos da quadra chuvosa na região. É o segundo ano consecutivo em que a Prefeitura não promove o evento, pela mesma razão.
MP ressalta alerta às contas
A realização de festas nos municípios costuma redobrar a atenção de órgãos de fiscalização como o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). É o que explica o coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público da instituição, o promotor de Justiça Élder Ximenes.
“O MP acompanha as despesas sob o viés da legalidade, não para interferir nas decisões do gestor. Existem despesas que são prioritárias e têm prevalência sobre as demais. Se há um déficit de investimento, (se a Prefeitura) está sem pagar e sem conseguir suprir a necessidade de funcionamento de determinada política assistencial, por exemplo, você não pode fazer nada mais, muito menos festa”, explica o promotor.
Para Ximenes, “a gestão pública precisa se profissionalizar”. Ele cita como exemplo o planejamento de grandes eventos, como o Rock in Rio. “Aquilo não é feito só porque alguém teve uma ideia, essa ideia passou por muita previsão de gastos”, frisa.
“É normal que o Ministério Público faça recomendações e, conforme o caso, que entre com ação civil pública, bloqueando a conta do município quando acontecem distorções. Isso acontece próximo de atividade quaisquer: aniversário da cidade, festa da padroeira”, pontua. Na última quinta (30), por exemplo, o MPCE recomendou que a Prefeitura de Saboeiro não realize festa de Carnaval diante do aperto financeiro do Município.