CPI: "Tratamento precoce" e suposto "ministério paralelo" estarão em pauta nesta semana

Senadores interrogarão médicos sobre o uso de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19 e suposta estrutura de aconselhamento paralelo à Presidência da República

Escrito por Flávio Rovere , flavio.rovere@svm.com.br
Médica Nise Yamaguchi depõe no Senado
Legenda: Defensora do "tratamento precoce" e uma das integrantes do suposto "ministério paralelo" da Saúde, a médica Nise Yamaguchi será ouvida na terça-feira (1º) na CPI da Covid-19
Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

O controverso “tratamento precoce” e a existência de um suposto “ministério paralelo” da Saúde no Governo Bolsonaro estarão em pauta nesta semana na CPI da Covid-19 do Senado Federal. Estão agendados depoimentos de cinco médicos, que deverão responder sobre os motivos para defenderem ou não o uso de medicamentos sem eficácia contra o coronavírus.

O depoimento mais aguardado é o da oncologista e infectologista Nise Yamaguchi, que, além de defensora do uso de cloroquina e hidroxicloroquina, é apontada como integrante da estrutura paralela de aconselhamento à Presidência da República. 

O mês que marca a presença de representantes dos estados pela primeira vez na agenda da CPI tem início com expectativas voltadas também para o Supremo Tribunal Federal (STF). Na sexta-feira (28), 18 governadores entraram com ação questionando a legalidade da investigação dos gestores estaduais pelo Senado Federal, algo que, segundo o pedido, só caberia às respectivas Assembleias Legislativas

Assinam a ação os governadores de Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Pará, Piauí, Rondônia, Santa Catarina e Tocantins, todos com depoimentos agendados, além de outros nove que ainda não têm previsão de depor: de Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. O governador de Roraima, também já convocado, deve aderir ao movimento nesta semana. 

“Uma vez permitida a convocação de governadores em CPIs no âmbito do Congresso Nacional, estar-se-ia autorizando uma nova hipótese de intervenção federal no âmbito das gestões administrativas estaduais”, argumentam os gestores na ação. 

 

Terça-feira: Nise Yamaguchi 

Na terça-feira (1º), a interrogada será a médica do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, Nise Yamaguchi. Defensora do chamado “tratamento precoce”, Nise chegou a ser cotada para assumir o Ministério da Saúde no ano passado, após a demissão de Luiz Henrique Mandetta. O cargo, porém, ficaria com Nelson Teich. 

Em julho de 2020, a oncologista e infectologista foi suspensa pelo Albert Einstein, segundo ela, devido à defesa da cloroquina e da hidroxicloroquina. No entanto, o hospital alegou que o motivo para a medida foi uma analogia “infeliz e infundada” da médica, que comparou o pânico provocado pela pandemia com o que era infligido às vítimas do Holocausto

Além dos polêmicos medicamentos, a médica deverá ser questionada sobre sua participação no suposto “ministério paralelo”, grupo de aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que seria responsável por aconselhamento em relação à pandemia, por fora da estrutura do Ministério da Saúde. Documentos entregues pela Casa Civil à CPI apontam a presença de Yamaguchi em pelo menos quatro reuniões realizadas no Palácio do Planalto para tratar da pandemia, de um total de no mínimo 24 encontros. 

 A convocação de Nise Yamaguchi atende a requerimentos dos senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Marcos Rogério (DEM-RO). Em seu pedido, o parlamentar cearense lembra que, em depoimento concedido no dia 11 à CPI, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, afirmou que, em uma reunião com o Governo Federal, a médica sugeriu a alteração da bula da cloroquina, para incluir eficácia conta Covid-19. 

 

Quarta-feiradiscussão sobre eficácia 

Na quarta-feira (2), a presença de mais quatro médicos deve intensificar o debate sobre a eficácia ou não de medicamentos como a cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Dois profissionais convocados são contra o “tratamento precoce”, os outros dois são a favor. 

Presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Clóvis Arns já declarou que o tratamento é uma “ilusão” e que a defesa dele representa um debate “ideológico” que já deveria ter sido superado desde junho do ano passado. “Nos Estados Unidos, rapidamente os médicos não só pararam de prescrever, como quem prescrevesse podia sofrer algum tipo de penalidade, por usar uma medicação que pode ter feitos colaterais e não traria benefício”, disse o infectologista em entrevista à BBC Brasil no final de janeiro. 

Quem também vai depor na quarta é a professora e coordenadora do internato em Medicina da Família da Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas (SP), Zeliete Zambom. A médica preside a Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC) , uma das dezenas de entidades da categoria que assinaram documento publicado pela Associação Médica Brasileira (AMB) no dia 23 de março, recomendando o “banimento” de uma série de medicamentos no tratamento da Covid-19. 

“Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da COVID-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, diz a publicação da AMB 

 

Médicos favoráveis 

As oitivas de quarta-feira também incluem dois médicos defensores do “tratamento precoce”, Francisco Alves e Paulo Porto Melo. Diretor-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), Francisco Alves é especialista em Infectologia pelo Instituto Emílio Ribas e um dos coautores da nota informativa do Ministério da Saúde, publicada em agosto do ano passado e retirada do ar recentemente, com orientações para o tratamento precoce. 

Já Paulo Porto de Melo é presidente do Departamento de Neurocirurgia Vascular e do Departamento de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Ele já se declarou contra a obrigatoriedade da vacina contra Covid-19 e afirmou que os efeitos colaterais da Coronavac poderiam ser piores que contrair a doença, o que não corresponde à realidade. Em suas redes sociais, há diversas postagens em defesa do uso de medicamentos sem eficácia. 

 

Documentos 

Na sexta-feira (28), por ocasião de um mês da CPI (instalada em 27 de abril), senadores fizeram visita simbólica à sala-cofre onde ficam os documentos enviados à Comissão. Estiveram presentes o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o relator, Renan Calheiros (MDB-AL) e Humberto Costa (PT-PE), membro titular. Segundo Randolfe, a CPI já recebeu 30 gigabytes (GB) de arquivos, atendendo a requerimentos dos senadores, de um total de 300 GB previstos até agora.