Congresso discute vetos presidenciais às "emendas de relator"

A legislação que dá ao relator do Orçamento de 2020, o deputado cearense Domingos Neto (PSD), poder de execução de R$ 30 bilhões em emendas impositivas tem sido fonte de embate entre o Legislativo e o Executivo

Escrito por Redação ,
Legenda: Sessão conjunta do Congresso para análise de vetos presidenciais ocorre amanhã
Foto: Foto: Agência Câmara

O Congresso Nacional deve ter o embate pelo controle da execução de parte do Orçamento de 2020 entre o Palácio do Planalto e os parlamentares como tema central nesta semana. Os vetos presidenciais ao projeto de lei que inclui o chamado Orçamento Impositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estão na pauta de votações do Congresso para amanhã (3), em sessão mista com senadores e deputados.

Antes disso, o presidente Jair Bolsonaro deve se encontrar com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A reunião deve ocorrer ainda hoje e pretende buscar uma solução para o conflito entre os poderes.

De um lado, Bolsonaro critica trecho da legislação aprovada no fim do ano passado, segundo a qual o Congresso teria o controle de R$ 46 bilhões do Orçamento. Dentro deste montante, R$ 30 bilhões são destinados às chamadas "emendas de relator". Neste caso, o deputado cearense Domingos Neto (PSD), relator do Orçamento da União de 2020, seria o responsável não só pela quantia, como por determinar a ordem de pagamentos. Até ano passado, o relator não tinha ingerência na execução do Orçamento.

No trecho vetado pelo presidente, também fica determinado que o pagamento deve ser feito em, no máximo, 90 dias, com risco de punições ao Governo no caso de descumprimento. Entre as críticas, está a de que, caso não seja confirmado o veto, Domingos Neto teria mais poder sobre o Orçamento Federal do que alguns ministros do Governo.

Articulação

Contudo, líderes partidários começaram a se movimentar para derrubar os vetos presidenciais. Irritado, Bolsonaro chegou a ameaçar até mesmo entrar na Justiça, caso caiam os vetos ao projeto de lei que define como os recursos públicos serão gastos em 2020. Em contrapartida, o Congresso prometeu recorrer ao Judiciário se o Orçamento Impositivo, que obriga o pagamento das emendas no mesmo ano, não for cumprido.

Acordo entre parlamentares e Executivo chegou a ser ventilado como possibilidade para resolver o impasse. Nele, um dos vetos de Bolsonaro seria derrubado, fazendo com que a execução das emendas parlamentares respeitasse as indicações e a ordem de prioridades estabelecidas pelos parlamentares - da forma como foi definido no projeto com aval do Congresso.

No acordo, costurado pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, os parlamentares aceitariam devolver ao Executivo R$ 11 bilhões do Orçamento para investimentos e custeio da máquina pública. Concordariam, ainda, em deixar fora da lei o prazo de 90 dias para o Governo garantir o pagamento das emendas e a punição.

Mesmo assim, o acordo foi criticado internamente por integrantes do Governo. A crise eclodiu quando o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, acusou o Congresso de "chantagear" a União. Além disso, senadores do Podemos também se posicionaram para manter todos os vetos.

Impasse

O líder do partido, senador Álvaro Dias (PR), classificou como "rachadão" o dispositivo que obrigaria a execução de R$ 30 bilhões em emendas. "É um dispositivo inusitado. Queremos que os recursos públicos sejam distribuídos corretamente, levando em conta as prioridades do povo brasileiro. Esse modelo permite desvios. Vamos trabalhar para manter o veto do presidente da República. Não aceitamos acordo de tipo nenhum".

Para o senador cearense Eduardo Girão, também do Podemos, não é papel dos parlamentares gerenciar verbas públicas. Segundo ele, essa é prerrogativa do Executivo. Girão destacou ainda o risco de que dinheiro do Orçamento seja desviado para financiar campanhas nas eleições em outubro deste ano.

"Esses R$ 30 bilhões vão ser distribuídos para parlamentares em ano eleitoral. O que vai ser feito desse dinheiro? O Brasil tem um déficit primário gigantesco. Para pagar os salários dos servidores públicos, a Previdência e os gastos obrigatórios, já temos um déficit de R$ 40 bilhões. E querem pegar R$ 30 bilhões, que é um dinheiro emprestado, para parlamentares distribuírem em emendas pelos municípios do Brasil", alertou.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) também criticou a legislação aprovada pelo Congresso, apesar de ter sido favorável à proposta em 2019. Ele defende os vetos apresentados pelo pai, esclarecendo que é contrário à concentração de poder de decisão sobre o montante de emendas nas mãos do relator do Orçamento.

"Votei a favor da PEC 34, que era o chamado Orçamento Impositivo das bancadas. O impacto disso é de 1% das receitas e, se o Governo não tivesse dinheiro para cumprir esse Orçamento das bancadas, não acontecia nada. Agora a LDO, que é outra matéria, totalmente diferente, está dando R$ 30 bilhões para uma única pessoa, que é o relator do Orçamento (da União). E se o presidente não executá-la em 90 dias, ele incorre em crime de responsabilidade".

Consenso

O encontro entre Bolsonaro e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, respectivamente, busca um novo acordo com o Legislativo para evitar um acirramento ainda maior dos ânimos, às vésperas de manifestações agendadas para 15 de março.

Maia disse que trabalhará para manter o que foi combinado com o Governo e deu sinais de que o Legislativo não deve criar problemas para o Planalto. Apesar da queda de braço, tanto Bolsonaro quanto a cúpula do Congresso temem que a atual crise comece a contaminar a economia.

"O Brasil pode contar com a Câmara para aprovar as reformas", afirmou o presidente da Câmara. Ele é o responsável por articular o apoio do Congresso à reforma tributária. O líder do Governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB), também admitiu a nova rodada de conversas para ajustes no projeto.

"Matéria acordada no Congresso tem que ser cumprida. Mas o acordo pode sofrer transformações durante o processo de votação e na discussão, porque é para isso que serve o Parlamento. Há um clima propositivo para resolver o impasse e para tocar a agenda econômica", ressaltou.

Expectativas quanto a outras propostas prioritárias da União

Em paralelo à análise dos vetos presidenciais, o Congresso Nacional aguarda o envio da PEC que trata da reforma administrativa, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro às vésperas do Carnaval. 

De acordo com interlocutores palacianos, Bolsonaro resolveu bater o martelo de vez na proposta porque foi convencido por integrantes da equipe econômica da importância e da urgência do tema para a economia do País. A avaliação é de que a demora no envio da matéria foi uma sinalização ruim para os agentes do mercado, mostrando que a estratégia de continuar com as reformas perdeu ritmo dentro do Governo. 

Com o envio da matéria, equipe econômica e lideranças do Governo no Congresso Nacional vão intensificar a articulação política em prol de 12 propostas tidas como prioritárias para a agenda econômica. 

A lista foi apresentada a Bolsonaro e inclui, além da reforma administrativa, a reforma tributária, a autonomia do Banco Central, o marco legal de cabotagem, Nova Lei do Gás, privatização da Eletrobrás, PEC do Pacto Federativo, PEC dos Fundos Públicos, PEC Emergencial, Marco Legal do Saneamento, alteração do regime de partilha e o marco legal do setor elétrico. 

A expectativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é aprovar as reformas administrativa e tributária ainda no primeiro semestre. No último dia 19, Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), instalaram a Comissão Mista da Reforma Tributária: 25 senadores e 25 deputados terão o prazo de 45 dias para consolidar as propostas no Congresso.

Outra discussão que deve voltar aos holofotes trata da PEC da prisão após condenação em segunda instância. O presidente da comissão especial que discute a proposta, Marcelo Ramos (PL-AM), acredita que a mudança institucional esteja concluída no Congresso até o recesso, em julho deste ano.