Ampliação da CPI da Covid-19 expõe divisão política entre senadores cearenses e levanta debate legal
CPI proposta pelo cearense Eduardo Girão quer estender a estados e municípios investigações sobre possíveis crimes durante a pandemia
A sessão desta terça-feira (13) no Senado Federal já teria elementos suficientes para que a Casa fosse protagonista do assunto do dia, já que o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) havia anunciado que instalaria a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19. As assinaturas para um novo requerimento, de autoria do senador cearense Eduardo Girão (Podemos), estendendo as investigações a estados e municípios, cria não só uma divisão política na Casa, como também um debate legal.
Entre os senadores cearenses, o único a integrar a lista de (até o fim da tarde desta segunda) 36 parlamentares que assinam o requerimento pela CPI mais ampla é o próprio autor, que vem criticando a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que a Mesa Diretora instale a CPI e cobrando responsabilização de governadores e prefeitos pela crise sanitária. “Espero que a verdade venha à tona. Quem está devendo vai ter que se justificar e quem errou vai ter que ser punido", disse Girão.
Entretanto, a única CPI que tem prazo para ser ser lida e instalada é a requerida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), objeto da decisão do Supremo. Após a leitura, que deve ser feita nesta terça (13), segundo o presidente Rodrigo Pacheco, os parlamentares têm até meia-noite do mesmo dia para acrescentar ou retirar assinaturas, e um prazo de cinco sessões para indicarem membros para a comissão. Mesmo sem expectativa de ser lido, o pedido de CPI feito pelo senador Girão pode interferir politicamente nos rumos da questão.
O senador Tasso Jereissati (PSDB), crítico recorrente do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na gestão da pandemia, explicou porque acredita que o foco deve estar no Governo Federal.
“Uma CPI é importante porque nós temos uma das piores conduções sobre a pandemia no mundo. Nós temos o maior número de mortes por dia no mundo. E muitos erros e omissões aconteceram. Investigar, para que não se repita, e para responsabilizar as omissões, é importante”, disse o senador tucano.
O senador Cid Gomes (PDT) também se pronunciou sobre o assunto. O senador pedetista usou as redes sociais. “CPI não é brincadeira. Há uma comissão para ser instalada, inclusive com determinação do STF. Tentar ampliar sem limites o objeto da Comissão de Inquérito, como na CPI do fim do mundo ou criar outra serve para desviar do fato principal e gerar confusão. Estamos atentos. CPI já!”.
O que diz a Constituição
A CPI da Covid-19 estendida a estados e municípios não é polêmica apenas do ponto de vista político. Na semana passada, a primeira reação do presidente Jair Bolsonaro à decisão do ministro Luís Roberto Barroso foi a de cobrar investigação a governadores e prefeitos, o que levantou questionamentos sob o aspecto jurídico. Seria atribuição do Senado, instituição da esfera federal, investigar entes estaduais e municipais da Federação?
O advogado especialista em Direito Constitucional, João Aurélio Pessoa, afirma que, a priori, não há impedimento por parte da Constituição Federal. “Não é invasão de esfera de competência a CPI investigar estados e municípios. A Câmara dos Deputados, representante do povo, e o Senado Federal, representante dos estados, têm uma competência ampla em relação a investigações. Eles não podem é legislar sobre assuntos locais. É diferente do caso das polícias, por exemplo”, explica.
Embora não seja vedada pelo texto constitucional, a instalação de uma CPI ampla encontra obstáculo no Regimento Interno do Senado, que, em seu artigo 146, diz:
Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes:
I - à Câmara dos Deputados;
II - às atribuições do Poder Judiciário;
III - aos Estados.
Já Renato Couto, advogado especialista em processo legislativo, atenta para outro possível vício do requerimento de CPI do senador Eduardo Girão.
“Dispõe o artigo 58, parágrafo 3º, da nossa Constituição Federal, que a CPI deve obrigatoriamente ter um objeto determinado. Isso não quer dizer, nas palavras do próprio STF, que a CPI deve cuidar-se de um único fato. Pode haver mais de um fato. Entretanto, esses fatos devem estar muito bem delineados, sob pena de que, uma vez apresentados de modo genérico, essa CPI caia por terra em razão da sua inconstitucionalidade”, analisa.
Instrumento de pressão
Embora questionada do ponto de vista legal, a CPI pretendida por Bolsonaro e aliados pode servir para pressionar governadores e o próprio STF. Em telefonema feito no sábado (10) e vazado nesta segunda pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o presidente cobrava que senadores aliados ampliassem o objeto da CPI e peticionassem o Supremo pedindo o impeachment de ministros da Corte, fatos que poderiam travar a CPI.
Eduardo Girão disse que o seu requerimento de CPI foi apresentado em março e não teve ligação com o pedido de Bolsonaro.
Na quarta-feira (14), o Pleno do STF deve se reunir para referendar a decisão de Barroso, e há expectativa de que os ministros acatem a liminar do colega, mas com determinação para que a CPI da Covid seja convocada apenas com o retorno dos trabalhos presenciais, o que também esfriaria as investigações.
O cientista político Emanuel Freitas, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), vê os atos do presidente como demonstrações de preocupação sobre possíveis responsabilizações.
“Ele parece saber que é inevitável a responsabilização do Governo Federal, pela dimensão do caos que a pandemia tomou no País. Sabendo disso, ele então deseja abertamente utilizar a CPI para se vingar daqueles que, ao seu ver, são os principais responsáveis pela corrosão do seu capital político: os governadores e prefeitos. E também dá mostras de que o presidente deseja uma vingança contra o Supremo Tribunal Federal”.
Emanuel Freitas vê implicações políticas nos estados também como possíveis entraves às investigações.
“O que vai acontecer é que os senadores vão se sentir um tanto quanto mais empoderados, porque é como se os governadores estivessem nas mãos deles. Em São Paulo, por exemplo, você tem o (João) Doria e o Alexandre Giordano (PSL), que é um bolsonarista. Também penso no Ceará, na Bahia, nesses estados cujos governadores são mais polarizados com o presidente. Vai aumentar o poder de pressão dos senadores em relação aos governadores para que não sejam incluídos na CPI”, projeta o cientista político.