Aliança do Governo com o Centrão é construída em bases instáveis

Os pedidos de impeachment que se acumulam no Congresso Nacional são o principal motivador da aproximação de Bolsonaro com partidos antes acusados, pelo presidente, de pertencerem à "velha política"

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Legenda: Apesar de ter sido deputado durante 30 anos, Bolsonaro manteve um discurso eleitoral, e mesmo quando empossado presidente, de ser "contra tudo o que está aí"
Foto: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O cenário de incertezas no quadro político brasileiro conduziu a uma aproximação entre o Palácio do Planalto e o Centrão. O bloco informal de parlamentares foi um dos principais alvos do presidente Jair Bolsonaro, que o caracterizava como "velha política". Sem uma base aliada estável no Congresso Nacional e com, pelo menos, 30 pedidos de impeachment protocolados, o chefe do Executivo se vê pressionado a voltar atrás e negociar com este grupo. A aliança, contudo, se demonstra instável, seja pelas condutas dos partidos do Centrão, seja pelo temperamento do presidente.

Apesar de ter sido deputado durante 30 anos, Bolsonaro manteve um discurso eleitoral, e mesmo quando empossado presidente, de ser "contra tudo o que está aí". O isolamento político que cresce em torno do presidente, em contraposição não só ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF), como também a governadores e prefeitos, pressiona Bolsonaro a buscar alternativas para se manter na Presidência.

"A realidade é que ou existe uma sustentação política para encaminhar a agenda do Executivo ou o Governo vai naufragar. Bolsonaro e os seus assessores passaram a enxergar no Centrão a possibilidade de neutralizar o deputado Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados), blindar o presidente e passar a ter uma relação com o Legislativo", afirma o cientista político Cleyton Monte.

Professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a cientista política Sônia Fleury aponta, porém, que o tensionamento com outros poderes e a negação a firmar alianças para o avanço das pautas do Executivo são parte da narrativa de Bolsonaro.

"Agora, por que muda? Porque ele pode sofrer um processo de impeachment. Então, oportunisticamente, ele quer uma bancada fiel a ele. Muito mais do que para evitar as derrotas de pautas no Congresso, mas para evitar a saída dele da Presidência", aponta.

Cabe ao presidente da Câmara aceitar um pedido e abrir eventual processo de impeachment contra Bolsonaro. Diante da pandemia de Covid-19, porém, ele já sinalizou que o assunto não é prioridade no momento. Isso não tem deixado o Governo imune a instabilidades. "O Centrão não mudou, ele está ali disposto a apoiar qualquer Governo, enquanto for benéfico para ele", lembra Fleury. "Mas esses deputados compreendem que o Governo está na berlinda, então este apoio não vai sair barato", completa Monte.

Negociação

A nomeação para a direção do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), publicada nesta semana no Diário Oficial da União, materializa a relação entre o Executivo e os parlamentares do Centrão. A autarquia, de forte atuação em estados nordestinos, possui orçamento total de R$ 1 bilhão, com R$ 265 milhões apenas para investimento em 2020.

O novo-diretor geral do órgão é Fernando Marcondes de Araújo Leão, indicação do deputado Sebastião Oliveira, do PL. Originalmente, contudo, havia sido o Partido Progressistas (PP), liderado por Arthur Lira, que havia sido contemplado pelo cargo.

Com 40 deputados, o PP é uma das legendas mais influentes dentre as consideradas como do Centrão. Outras siglas como PTB, PL, PSD e Republicanos também formariam o bloco, apesar da nomenclatura continuar a ser recusada por parte das lideranças partidárias.

"São partidos fisiológicos, que não têm uma ideologia. Eles têm interesse em ter poder e em estar próximos ao poder", afirma Sônia Fleury. "São siglas de aluguel ou controladas por caciques políticos, que usam esses partidos para ocupar espaços na máquina pública", completa Rafael Moreira, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

Apesar do nome, estas legendas não se localizam no centro do espectro político brasileiro. "(O Centrão) É composto por partidos mais identificados à direita, com políticas econômicas liberais, mas com valores sociais conservadores. Quem não encontra lugar ideológico fica ali", explica a pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Paula Vieira.

Para Sônia Fleury, sem bandeiras políticas bem definidas e com uma grande rotatividade entre partidos, os parlamentares deste bloco ganham força em um cenário de acelerada fragmentação política dentro do Parlamento brasileiro. "Isto fortalece essa massa que fica ali sem precisar se definir", conclui.

Risco

Os partidos de Centrão, apesar de interessados nas negociações de cargos com o Planalto, possuem restrições quanto ao presidente. "Os acordos feitos por Bolsonaro tanto na campanha como nesse começo de mandato não têm sido cumpridos", pontua Rafael Moreira.

A imprevisibilidade do temperamento do presidente também é um fator que estremece a confiança. "Quando os líderes partidários vão fechar uma aliança, eles querem acreditar que aquilo vai perdurar. O Bolsonaro, que vive rodeado de crises e que produz muitas crises, é imprevisível nesse sentido", concorda Monte.

Outros elementos devem ser levados em conta pelos parlamentares, pontuam os pesquisadores. A situação crítica do País por conta da pandemia do novo coronavírus, assim com as condutas de Bolsonaro de desrespeito às recomendações sanitárias e a desaprovação crescente do presidente entre o eleitorado devem ser analisados. "Isto tudo gera insegurança nos posicionamentos. Os parlamentares do Centrão estão observando este cenário para poder dizer qual vai ser a jogada seguinte", pontua Paula Vieira.

"E o Centrão se movimenta muito mais de acordo com a popularidade do Governo em que está do que a agenda política ou econômica", concorda Moreira. "Os parlamentares podem rapidamente abandonar o Governo", afirma.

Discurso

Por enquanto, as negociações envolvem principalmente cargos de segundo e terceiro escalões dentro do Governo Federal. A estratégia de iniciar as nomeações por estes cargos é apontada por Rafael Moreira como uma tentativa de "maquiar" estas negociações para o eleitorado bolsonarista.

"Assim, fica mais difícil de expor para a base eleitoral dele as movimentações que vêm ocorrendo. Enquanto não for um ministro, que representa essa figura pública, ele consegue maquiar para os apoiadores", considera. Paula Vieira aponta ainda que, para a parcela mais fiel do público do presidente, "todos os discursos disponíveis vão ser aceitos". "Não podemos esperar uma mudança abrupta. Tudo é justificável para este eleitorado", analisa.

"O Bolsonaro é um jogador de risco e esta é mais uma jogada de risco do Bolsonaro. As apostas dele são de que não irá perder votos, por conta do apoio do núcleo de eleitores fanáticos, de que irá tirar apoio do Rodrigo Maia e aumentar o próprio e de que não será traído porque tem recursos suficientes, com a máquina pública, para manter o Centrão", resume Sonia Fleury.

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