Quem se lembra da Loira do Banheiro? Ela está de volta

Depois que trouxe o tema das lendas urbanas para esta coluna, vou te contar, leitores e leitoras não dão sossego ao cronista. Quando escrevo sobre outro assunto, tomo uma vaia cearense maior do que a gritaria de 1942, quando uma turma de Fortaleza vaiou o sol — ah, estava bonito para chover e o astro-rei apareceu para cortar o barato.

Política, nem pensar. Com essa pauta, também recebo desaprovação da clientela. Então vamos direto ao ponto: quem aí já teve medo da Loira do Banheiro?

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Eu me arrepiava só de ouvir os episódios sobre suas aparições na Escola Estadual Virgílio Távora, na Praça dos Ourives, em Juazeiro do Norte. Vade retro, loreal da moléstia!

Ela está sempre à espreita e reaparece diariamente nos banheiros de escolas de todo o país, especialmente em São Paulo, onde a lenda surgiu. Todo cuidado é pouco. Nunca chame seu nome três vezes, jamais dê três chutes seguidos na porta, nem pense também em pronunciar três palavrões ou puxar três vezes a descarga. É fatal.

A Loira do Banheiro pode aparecer com algodão nas narinas ou não. Em algumas ocasiões, surge apenas de relance no espelho. Um aviso: algumas testemunhas alegam que, em raras aparições, a criatura deu as caras com o cabelo tingido de preto. Muita atenção nesse disfarce.

O folclore é vasto também sobre a sua origem, ao ponto de haver uma versão diferente a cada colégio. Há quem diga que a moça teve uma existência real muito sofrida, depois de ser abandona amorosamente por um professor. A desilusão a levou a se trancar no toalete, onde permaneceu até morrer afogada em lágrimas. Em outras palavras, é muito romântica.

Outra teoria atribui a assombração a uma garota que se isolava no W.C. para matar aulas. Certo dia, escorregou no piso molhado, bateu com a cabeça no chão e morreu, dias depois de ficar em coma no hospital. Impossibilitada espiritualmente de descansar em paz, passou a aterrorizar a dependência mais intimista dos colégios.

O mais provável, no entanto, é que a história da Loira do Banheiro tenha surgido no interior paulista, com a morte de Maria Augusta de Oliveira Borges (1864-1891), filha de Francisco de Assis de Oliveira Borges, o Barão de Guaratinguetá, dono de uma grande fortuna e de um luxuoso casarão na cidade, na região do Vale do Paraíba.

Aos 14 anos, em 1879, Maria Augusta teria sido obrigada a casar com Francisco Antônio Dutra Rodrigues, 21 anos mais velho, advogado, professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em SP — em 1888, ele ocupou brevemente a presidência da província, um cargo equivalente ao de governador.

A partir desse ponto, a história dessa mulher começa a se confundir com a lenda. Aos 18 anos, ela teria vendido suas joias e se mudado para Paris, onde morreu em 1891. As causas da morte são desconhecidas – seu atestado de óbito teria sido roubado na travessia de volta ao Brasil, junto com as joias com as quais embarcou.

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A história do translado do corpo também tem múltiplas versões. As joias de Maria Augusta teriam sido roubadas não num navio, mas num trem no caminho entre o Rio e Guaratinguetá. Esse roubo nada teria a ver com o desaparecimento de sua certidão de óbito, que se perdera no cemitério de Passos, onde o corpo está enterrado.

É certo, no entanto, que ela morreu jovem, no dia 22 de abril de 1891. Todas as versões coincidem no relato de que, ao chegar a São Paulo, o corpo de Maria Augusta teria sido exposto numa redoma de vidro pela viscondessa da Guaratinguetá em pleno casarão onde residia.

Em 1902, esse casarão foi transformado na Escola Estadual Rodrigues Alves. Em 1914, o colégio pegou fogo, e pela primeira vez a figura de Maria Augusta foi atrelada a feitos “sobrenaturais”. Durante o incêndio, populares a teriam visto flutuar pelas chamas.

Por anos, os alunos do colégio ajudaram a fomentar a lenda da Loira do Banheiro, um fantasma que rondava os toiletes. A explicação seria que Maria Augusta teria morrido de hidrofobia, a popular “raiva”, e que por isso retornara para abrir as torneiras dos banheiros na tentativa de se hidratar.

Para não me perder no novelo de tantas versões, certa vez consultei o diretor de cinema José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Ele não tinha dúvidas: a galega tem como morada definitiva um banheiro da Cidade Universitária, na USP, na Zona Oeste de São Paulo. Na dúvida, melhor evitar o suposto destino da malvada.

E você aí, tem algum caso mal-assombrado para ampliar esse folclore? Até a próxima semana.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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