Fuga nas penitenciárias federais é coisa tão inédita que estamos todos acompanhando, como em uma série de suspense, o destino dos dois primeiros detentos que conseguiram escapar em Mossoró. Nos presídios estaduais, os fugitivos nem merecem mais destaque no noticiário. É uma rotina histórica. São Paulo, por exemplo, bateu em quase mil evasões em 2020, durante a pandemia.
Ao seguir o episódio recente na “terra do sal”, como a cidade potiguar é conhecida no Nordeste, rebobinei na memória a fuga mais espetacular que já tivemos no Brasil. “Vem comigo”, como invocava o repórter Goulart de Andrade, o extraordinário contador de histórias no submundo do crime e do sexo.
O muro do inferno construído bem no meio do paraíso. A intenção era tornar o castigo ainda mais perverso naquele presídio de segurança máxima, o Cândido Mendes, Ilha Grande, litoral do Rio de Janeiro. Foi dali que o traficante José Carlos Encina, o Escadinha, levantou vôo, poucas horas antes do Réveillon de 31 de dezembro de 1985. De cima do helicóptero, deu um sorridente adeus aos guardas e aos colegas de prisão.
O responsável direto pelo resgate foi o ladrão de carros José Carlos Gregório, o Gordo, que alugou o helicóptero e forçou o piloto ao trajeto. Escadinha foi um dos primeiros grandes “barões” do tráfico de drogas no país, um dos fundadores da facção Falange Vermelha, hoje conhecida como Comando Vermelho.
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Por suas ações de distribuição de alimentos aos moradores da comunidade do Juramento, o bandido era tratado como um Robin Hood do morro. A trajetória de Escadinha, no entanto, se confunde com a da criminalidade brasileira. Junto do irmão José Paulo dos Reis Encina, o Paulo Maluco, comandou o comércio de cocaína no Rio dos anos 1980.
Personagem de uma bandidagem considerada ainda “romântica”, Escadinha não permitia que crianças trabalhassem no tráfico, vetava assaltos na área da sua comunidade e não admitia abusos contra mulheres — havia punição severa a quem se atrevesse a esse tipo de violência.
José Carlos foi preso pela primeira vez em setembro 1974, quando tinha 19 anos. Na ocasião, pagou apenas uma multa, por porte ilegal de armas. A primeira prisão por tráfico aconteceria dois anos depois. Foi durante uma de suas passagens pela cadeia que fundou a Falange Vermelha.
Detido no presídio Frei Caneca, Escadinha tentou uma outra fuga de helicóptero em 1987. Na ocasião, comparsas se passaram por repórteres fotográficos, renderam um piloto e o obrigaram a participar da operação de resgate. Ao pousar na caixa d'água de um pavilhão, a aeronave foi alvejada por policiais. Na queda, acabou matando o piloto e dois criminosos que estavam a bordo.
Entre idas e vindas de prisões, Escadinha foi assassinado em 2004, aos 49 anos. Em regime semiaberto, tinha o direito de sair todas as manhãs do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no complexo de Bangu, para trabalhar — era vice-presidente de uma cooperativa de taxistas na zona norte do Rio.
Em uma dessas saídas da penitenciária, no dia 23 de setembro, o seu Vectra foi atingido por tiros de fuzil, na Avenida Brasil, altura de Padre Miguel. No banco do carona, foi morto também o presidiário Luciano da Silva Wanderley. Os autores do duplo assassinato nunca foram revelados.
No final da vida, longe da bandidagem, Escadinha aconselhava os jovens a fugir das drogas e prometia uma candidatura a deputado federal — “poder para o morro”. Cultuado no universo do rap, compôs algumas letras e participou da coletânea “CD Brazil 1 — Fazendo Justiça com as Próprias Mãos”, que incluiu Racionais MC’s, GOG, MV Bill, entre outros. A faixa “A fuga”, do rapper Xis, descreve a sua saída cinematográfica da Ilha Grande.