Boimate, a fraude de 1º de abril que fez estrago na imprensa

A arte da fuleragem é mais rica, óbvio, no Ceará e em alguns pontos do Nordeste. Isso não impede, porém, de ser exercida em todo o planeta. Repare nesse enredo.

Uma piada de 1º de abril, publicada na revista “New Scientist,” virou coisa séria nas páginas da “Veja”, em uma das maiores bobeadas da história da imprensa brasileira. Assombrados, os leitores conservadores protestaram contra a “violação das leis naturais”. Foi um rebuliço.

Na época, ainda não usávamos a expressão “fake news”. O erro jornalístico era chamado de “barrigada” — a publicação de uma mentira de forma involuntária ou por descuido de repórteres e editores.

O caso eu conto como o caso foi. Rebobina comigo essa fita:

Uma incrível experiência científica realizada na Alemanha tinha conseguido fundir as células de um boi com as de um tomate, dando vida a um alimento novo, meio fruto e meio bife, com capacidade de solucionar o problema da fome mundial. A notícia foi dada pela revista brasileira na edição de 27 de Abril de 1987.

Veja também

Se você nunca comeu do “boimate”, como a reportagem chamava o miraculoso vegetal, é porque, apesar de noticiada com alguma pompa, a invenção nunca existiu. Relaxa.

Mas o que aconteceu, afinal? É tradição de jornais e revistas em língua inglesa, inclusive revistas científicas, publicar notícias falsas no dia 1º de Abril. A farra de notícias falsas é extensa. A intenção não é enganar, mas fazer rir, pura galhofa.

Foi o caso do “boimate”. A matéria, intitulada simplesmente “scientists make the first plant-animal hybrid” (cientistas fazem primeiro híbrido entre planta e animal) apareceu originalmente na edição 1391 da revista New Scientist, de 31 de março de 1987.

O texto estava “escondido” entre atigos sérios, mas várias “dicas” possibilitavam sua decodificação. A pesquisa teria sido feita na Universidade de Hamburgo (o que, no inglês, fica ainda mais claro: “hamburger”) por Barry McDonald e William Wimpey (essa última referência possivelmente fugiu ao autor do texto de “Veja”: Wimpey é uma das redes de fast-food mais populares da Grã-Bretanha.)

Outras piadas da matéria, bem ao gosto do humor britânico: “the resulting hybrid grows like its tomato parent, but develops a leathery skin” (o híbrido resultante cresce como tomate, mas desenvolve uma casca parecida com o couro) e “its flowers are polinated only by horseflies” (suas flores são polinizadas apenas por moscas varejeiras).

A matéria era ilustrada com uma caricatura de uma vaca sendo ordenhada e dois cientistas comentando que algo dera errado — “está saindo ketchup”.

O texto da “New Scientist”, quase sem alterações, foi publicado na “Veja”, com pequenas observações do redator anônimo brasileiro (a matéria não foi assinada): “A experiência dos pesquisadores permite sonhar com um tomateiro do qual seja possível tirar algo parecido com um filé ao molho de tomate.”

A barrigada da revista brasileira foi exposta pelo “Estadão”, em 26 de junho daquele ano. Na reportagem, o jornal faz piada e afirma que um leitor, que preferiu se identificar apenas como X-Burger PhD, afirmou estar desenvolvendo no interior do Nordeste um cruzamento entre carne de jabá e jerimum, além da hibridização entre um porco e o feijão, para facilitar a feijoada de uma vez por todas.

A “Veja” publicou um pedido de desculpas aos seus leitores, com um atraso de mais de dois meses. Tudo mais estranho que a ficção, diria o escriba Chuck Palahniuk. Que venha aí um excelente abril para todos. Até a próxima.



Assuntos Relacionados