A influência política de quem está no dia a dia da comunidade

Ainda há muitos que não sabem o que fazem os conselheiros tutelares e os agentes de cidadania. Escolhidos por meio de eleição, eles exercem liderança nos bairros de Fortaleza e podem ser determinantes para futuros candidatos

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Legenda: Conselheira Tutelar Fátima da Silva
Foto: Isanelle Nascimento

De porta em porta: assim define Fátima Silva o trabalho que desenvolve, há quase oito anos, como conselheira tutelar. O papel desses profissionais, admite ela, ainda é pouco conhecido por parte da população, mas a influência nas comunidades revela também que conselheiros são, periodicamente, visados como possíveis cabos eleitorais por aqueles que querem ocupar cadeiras no Parlamento.

Percorrer as ruas dos 24 bairros da Regional VI atendidos pelo Conselho Tutelar no qual atua faz parte da rotina. Acompanha crianças e adolescentes, mas também as famílias. Fátima enumera de cabeça os maiores casos de violação de direitos, mas também contabiliza melhoras observadas, enquanto vislumbra os próximos casos a serem atendidos.

"Nós estamos dentro das comunidades todo dia, vendo as necessidades de cada um. Sabemos onde estão todas as mazelas dessas comunidades", afirma. Um trabalho que acaba sendo confuso para a população. "O pessoal cobra muito, porque acha que a gente é vereador. Muitos chegam solicitando serviços que não são da nossa atribuição".

Esse desconhecimento, junto à atuação de conselheiros com o Poder Público, tem como consequência uma procura maior deles como atores políticos do que como profissionais especializados na área da infância.

"Sempre tem vereador atrás dos trabalhos de conselheiros tutelares. As pessoas dizem que um conselheiro é metade do caminho para entrar um vereador, mas eu não sei se funciona desse jeito"

A razão disso é a posição de liderança nas comunidades. "Acaba sendo a oportunidade que aqueles que querem ocupar cargos eletivos têm de chegar na comunidade", considera Fátima. A conselheira ressalta, contudo, a necessidade de um olhar mais atencioso do Poder Público sobre esses profissionais.

"Se nos ouvissem mais, as políticas públicas (voltadas a crianças e adolescentes) poderiam ser aplicadas de forma mais correta"

A ligação com diferentes comunidades também é a razão para que pré-candidatos a vereador procurem outras lideranças ligadas ao Executivo: os agentes de cidadania. Ocupantes de função menos conhecida, eles, assim como os conselheiros, são escolhidos por meio de eleição.

Agente de cidadania há oito anos, Alexandre Mafra iniciou a atuação no Loteamento Jardim Glória, no bairro Cajazeiras, como presidente da Associação de Moradores, função que exerce até hoje. Por conta disso, lembra que foi procurado diversas vezes por políticos em busca de apoio em eleições, mas não quer dinheiro nem favores políticos. Para aqueles que o procuram em busca de votos, ele tem na ponta da língua a pergunta: "quais são os projetos para a comunidade?".

Para Alexandre, os políticos deveriam procurar as lideranças não em busca de comprá-las, mas de trabalhar em projetos de interesse das comunidades. "Ele estaria plantando para, depois, colher", conclui.

Segundo o cientista político e professor universitário Cleyton Monte, as relações entre conselheiros tutelares e políticos são conturbadas, porque, em alguns casos, há interesses que fogem da ética das funções. O mesmo ocorre entre agentes de cidadania, diz. "É muito comum essa proximidade entre conselheiros e vereadores para conseguir votos", explica ele, pesquisador do Laboratório sobre Política, Eleições e Mídias, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O cientista político pondera, contudo, que "há bons e maus casos" em ambas as partes. "Se você tem um vereador que se aproxima de um conselheiro para levar política pública, isso é muito benéfico para a comunidade. Desde que esses agentes não esqueçam as suas atribuições, que a procura não tenha caráter eleitoreiro", finaliza.

Conselheiros tutelares e agentes de cidadania atuam como lideranças comunitárias em um trabalho que, por vezes, é pouco conhecido, mas a influência nos bairros também atrai interesses políticos.

Legenda: Fátima Silva
Foto: Isanelle Nascimento

Uma rotina de proteção

Os cinco dias da semana parecem insuficientes para as demandas da conselheira tutelar Fátima Silva: atende denúncias do Disque 100 e também as que chegam de hospitais, delegacias e escolas, além de receber quem chega ao prédio do Conselho Tutelar 8, onde atua. Depois, realiza visitas para averiguar se os direitos de crianças e adolescentes foram violados. "Normalmente, tem mais violações do que o relatado na denúncia", afirma.

As histórias dos quase oito anos de atuação se acumulam, mas ainda lembra do primeiro caso: uma criança de quatro anos que pesava menos de três quilos. E se entristece: não foi o caso de negligência mais sério que atendeu. "Às vezes, a gente adoece, porque absorve".

Tem orgulho do número baixo de acolhimentos, quando é necessário retirar a criança da família e levá-la para abrigo, e conta dos vínculos com quem atendeu. "Um adolescente que atendi por quatro anos até hoje me chama de 'mãe'", lembra. Em seguida, comemora a melhora observada na casa da família que acabara de visitar pela segunda vez na última quinta-feira (17).

Durante as visitas, a prancheta com relatórios abriga também o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Eca. "As pessoas votam na gente com a esperança de que vamos resolver a situação da comunidade e não é esse o nosso papel. Nós só fazemos o que está no Eca", enfatiza.

"As pessoas têm esperança de que vamos resolver a situação da comunidade, mas não é esse o nosso papel"

Legenda: Agente de Cidadania Alexandre Mafra
Foto: Isanelle Nascimento

Caminhar pela comunidade

Não é possível caminhar sequer um quarteirão sem que o agente de cidadania Alexandre Mafra seja interceptado por um dos moradores da antiga comunidade Che Guevara, agora Loteamento Jardim Glória, no bairro Cajazeiras. Uma rotina nada estranha a ele. No escritório montado em casa, atende até dez pessoas por dia. E por telefone? "Aí eu já perdi as contas", brinca.

Agente de cidadania há oito anos, quando a função ainda era chamada de delegado do Orçamento Participativo, Alexandre Mafra é quem leva as demandas das famílias ao Poder Público, tanto por meio do Executivo como recorrendo ao Judiciário, quando necessário.

"Muita gente não sabe onde ficam os órgãos da Prefeitura. Não sabem onde fica o Cras ou a creche mais próxima. Eu ensino", explica. Ele ainda ajuda os moradores a protocolar reclamações quando não têm acesso a serviços.

A visita da última quarta-feira (16) foi aos engenheiros responsáveis pelas obras de saneamento e pavimentação da comunidade. "O meu maior orgulho", diz. Expõe receios de moradores e, no retorno, repassa as informações obtidas. Enquanto isso, já planeja as próximas ações.

"É muito prazeroso receber a comunidade e tentar cooperar, porque quando faço isso, estou ajudando ela a sair da vulnerabilidade", afirma sorrindo, enquanto mais um morador bate na porta de sua casa.

"Quando faço isso, estou ajudando a comunidade a sair da vulnerabilidade".