Trabalho, dança e justa causa
Assim como não convém que trabalhadores, sem consentimento da empresa onde trabalham, publiquem vídeos dançando fardados em horário e no ambiente de trabalho
Há poucos dias, uma ex-aluna, hoje advogada e leitora assídua dos modestos artigos que tenho escrito, indagou-me se poderia sugerir um tema que gostaria de ver abordado. De cara, acolhi a sugestão, por pertinente e muito atual: a prática cada vez mais frequente de exposição forçada da imagem de empregados em danças e vídeos de tiktok e outras redes sociais e o tratamento discriminatório àqueles que se recusam a participar destas divulgações.
Sem dúvida, trata-se de mais um comportamento que requer bom senso de empregados e empregadores, sob pena de aplicação de punição a quem abusa de seus direitos. Assim como não convém que trabalhadores, sem consentimento da empresa onde trabalham, publiquem vídeos dançando fardados em horário e no ambiente de trabalho, em exposição indevida da repartição empregadora, também não se mostra adequado impor a empregados a participação em danças em que não se sintam claramente confortáveis.
Há situações já registradas Brasil afora de trabalhadores que, no auge da alegria por alguma conquista particular ou como meio de expressar insatisfação com superiores hierárquicos ou com seus empregadores, realizaram coreografias durante o expediente, postaram em redes sociais ou compartilharam o vídeo em grupos ou com colegas, produzindo, inadvertidamente, prova contra si mesmos e dando fundamento à dispensa por justa causa, inclusive por desídia, mau procedimento e descaso com as obrigações contratuais, mantida por decisões judiciais.
No campo inverso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 483, item “a”, considera falta grave do empregador suficiente para motivar a chamada rescisão indireta (ou justa causa do empregador), que tem os mesmos efeitos para o trabalhador de uma dispensa sem justa causa, exigir do empregado serviços alheios ao contrato sem manifestação expressa (e livre) de sua concordância.
Tribunais têm reiteradamente condenado empresas ao verificar que empregados se sentiram abalados em seu direito à intimidade e à privacidade quando forçados a participar de danças, vídeos ou outras situações constrangedoras (vexatórias) no ambiente de trabalho como a chamada prática de “cheers”, que consiste em ter de cantar, dançar ou gritar hinos motivacionais. Também configura assédio moral tratamento ríspido, irônico ou excludente a empregado em razão de sua recusa em participar deste tipo de dinâmica ou gravação.