O novo marco das ferrovias é um retrocesso
Aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados, o novo marco legal das ferrovias está longe de ser um avanço. Ao contrário, ele representa um retrocesso ao legitimar um modelo que nada favorece o desenvolvimento da malha ferroviária para o transporte abrangente e intenso de mercadorias e passageiros.
Caso seja realmente validado no Legislativo, terá efeitos devastadores — e por décadas a fio — sobre o já combalido transporte ferroviário do país. Prevista no marco, a criação do regime de autorização entrega à iniciativa privada a prerrogativa de investir apenas nos trechos que lhe interessam, e torna o Estado ainda mais inoperante do que se encontra hoje em sua missão de planejar e implantar uma política de integração nacional a partir dos trilhos.
O novo marco legal das ferrovias é um grande acordo que apenas favorece a iniciativa privada. O mercado até aqui tem se comportado como se esperava, manifestando-se de forma uníssona em torno das chamadas garantias aos investidores. Porém, a questão da ampliação da malha ferroviária é muito mais complexa do que o lobby das empresas quer transparecer.
Quem pagará o preço pelo acordo que se avizinha em Brasília será a população. Somos provavelmente o único país continental do mundo que não usa suas ferrovias para transportar passageiros. Quando as utilizamos, é para levar commodities até os portos, para daí serem exportadas. Por que, ao contrário das nações desenvolvidas, nós devemos ter essa visão tão simplista dos trens?
E o que é pior: por que devemos perpetuar, via marco legal, essa situação vexatória de nossa malha ferroviária? Por que ela não pode ser uma indutora de crescimento e de integração nacional, em vez de se limitar ao transporte de meia dúzia de mercadorias?
Pensar que a ferrovia nacional se presta apenas à logística de soja, açúcar, milho e minério de ferro é um aviltamento das possibilidades desse modal. Um plano nacional com a criação de centros de distribuição de cargas seria o primeiro passo para explorarmos melhor a possibilidade que os trilhos oferecem como transporte.
A miopia que grassa entre os homens que deveriam traçar políticas públicas — referendada pelo mercado, ávido por lucros — irá sepultar as ferrovias do país. Precisamos urgentemente de um projeto de nação. Que tal começar pelos nossos trens?
José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias)