Candidatas fictícias

Escrito por Roberta Laena ,

Muito se questiona sobre os impactos das reformas eleitorais nas Eleições de 2020. Na seara dos direitos das mulheres, surge a pergunta: com o fim das coligações proporcionais, haverá um aumento da participação política das mulheres? Ou veremos um fio crescente de candidatas fictícias, registradas apenas para cumprimento da cota de gênero? 

O fato é que, apesar das conquistas do movimento feminista no Brasil, as candidaturas fictícias de mulheres aumentam a cada pleito: em 2016, 14.417 mil mulheres tiveram votação zerada - um primeiro indício dessa fraude - e pesquisas apontam que 35% das candidaturas femininas à Câmara dos Deputados, em 2018, foram fictícias. 

Esse cenário é reflexo da resistência partidária à nossa efetiva participação política: salvo as raras exceções vistas nos grandes municípios, os partidos não financiam campanhas femininas do modo como investem nos homens. Além disso, poucas são as mulheres que ocupam cargos nos diretórios – e, não raro, exercem mais uma ficção -, não há formação política de mulheres nas instâncias partidárias e as agremiações fingem democracia interna por meio de setoriais de mulheres que pouco ou nada apitam em temas relevantes, limitando-se às pautas tidas por “femininas”. 

Ainda há uma proeminência masculina nos partidos. As candidaturas fictícias, portanto, colocam em cena a violência política de gênero praticada contra nós mulheres, nos mostrando o quanto, feito mercadorias eleitorais, somos usadas para beneficiar agremiações políticas, essencialmente masculinas. 

Cada registro fictício apresentado à Justiça Eleitoral reafirma que a política é lugar de homens e que, para nós mulheres, resta um não lugar, ou, como diz Marcela Lagarde, que podemos participar como se estivéssemos dentro, mas, na realidade, estando fora. Acreditar em uma mudança desse panorama não está sendo uma tarefa fácil. A ver...

Roberta Laena
Analista Judiciária do TRE-CE, doutora em Direito e autora do livro “Fictícia”