A Reforma Tributária que precisamos
As propostas de Reforma Tributária em tramitação no Congresso ganham simpatia no argumento de simplificação e crescimento econômico sem, contudo, apresentar estudos robustos de impacto macroeconômico, uma vez que não há evidência empírica confiável de que o sistema tributário é variável determinante do crescimento econômico. Para além dos fundamentos, qualquer que seja a proposta, deve considerar a retomada do diálogo sobre o pacto federativo e o papel redistributivo do nosso sistema tributário, a fim de, simultaneamente, assegurar o Princípio Federativo e Cooperativo insculpido em nossa Constituição, garantindo que os entes federados não sofrerão perdas de autonomia financeira e que a proposta escolhida diminua a desigualdade, em uma estratégia onde a busca pela eficiência econômica não comprometa a equidade.
Um corolário desse debate é que enquanto a Economia busca a eficiência, o Direito persegue a justiça. Todavia, não dá para dissociar a injustiça da ineficiência. Assim sendo, essa dicotomia encontra-se na Análise Econômica do Direito, teoria que tem como um dos pilares o ótimo paretiano, conceito segundo o qual uma proposta legislativa é eficiente se melhorar o nível de bem-estar de uma parte sem piorar o de outra.
Cumpre ressaltar que a média dos últimos 20 anos (2012-2021) da incidência do nosso sistema tributário sobre a arrecadação total foi de 45,2% sobre bens e serviços, 26,7% sobre folha de pagamentos, 21,4% sobre renda, 4,0% sobre patrimônio e 2,7% para as demais categorias. Já em relação à concentração média da arrecadação total do mesmo período, registra-se 68,6% para a União, 25,7% aos estados e 5,7% aos municípios. Ipso facto, estados e municípios enfrentam obstáculos ainda maiores para estruturar seus orçamentos, principalmente em termos de alocação dos recursos públicos a fim de atender efetivamente às necessidades públicas locais. Vale ainda ressaltar que a tributação compromete a demanda agregada e revela a assertiva proposição de que tributar mais a renda e a riqueza é também uma questão de razão econômica e não apenas de justiça fiscal.
Não podemos esquecer que o Brasil é um dos poucos países do mundo no qual vigoram os dispositivos da dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, a isenção de lucros e dividendos distribuídos e a limitação de alíquotas no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Um dos resultados desta evidência é que quem ganha mais de 320 salários-mínimos tem uma alíquota efetiva de 2,1%, bem inferior a quem ganha entre 5 e 7 salários-mínimos, cuja alíquota é de 3,9%. Observa-se ainda que os 10% mais ricos no Brasil capturam quase 59% da renda nacional e 85% dos brasileiros, com base na inferência da Pesquisa Oxfam Brasil/Datafolha 2022, acreditam que não é possível progresso sem redução de desigualdades. Ademais, o Brasil ainda se destaca por ser o único país que, simultaneamente, aparece na lista dos mais ricos e dos mais desiguais do planeta.
A escolha do modelo tributário, inequivocamente, é resultado de um jogo de barganha entre os grupos dominantes da sociedade. A viabilidade de um debate representativo e universal pressupõe, portanto, educação de qualidade para todos, estado seguro, sistema de saúde único e universal, o que, por sua vez, requer financiamento público. Nesse sentido, a sociedade precisa decidir em relação ao tamanho do Estado que se tem, que se quer e o que se pode ter. Aqui não cabe ideologia de um estado mínimo ou mais intervencionista. O que a sociedade precisa é de um estado qualificado que atenda às necessidades sociais e gere valor público.
Por fim, é preciso resgatar a fiscalidade que contemple uma política tributária progressiva e uma política orçamentária regressiva, isto é, cobrar mais de quem tem mais e destinar mais para quem tem menos. É fato que o sistema tributário brasileiro é desigual e complexo, mas também revela moral tributária. Na linha Schumpeteriana: nada demonstra tão claramente o caráter de uma sociedade e de uma civilização quanto a política fiscal que o setor público adota. Sob outra vertente, nos termos do Papa Francisco, “Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade”.
Jurandir Gurgel é diretor técnico-científico da Fundação Sintaf