Presença do zika em macacos alerta sobre transmissão

Para a Sesa, essa possibilidade pode apontar para um dos motivos de o vírus ter se espalhado rapidamente

Escrito por João Lima Neto - Repórter ,
Legenda: Durante os estudos realizados em áreas do Estado foram capturados, no total, 15 "soins" e nove macacos-prego, todos eles em áreas com notificação de zika e ocorrência de microcefalia
Foto: FOTO: ARQUIVO/INSTITUTO PASTEUR/USP

Pesquisadores paulistas e cearenses detectaram o vírus zika (ZIKV) em sete macacos de diferentes espécies no Ceará. O material coletado foi armazenado por profissionais do Núcleo de Controle de Vetores do Ceará (Nuvet), em Fortaleza, e analisado por especialistas do Instituto Pasteur de São Paulo e da Universidade de São Paulo (USP). O resumo do estudo, divulgado no portal científico Biorxv, registra que os animais foram capturados em Tabuleiro do Norte e Quixeré, na região de Saúde de Limoeiro do Norte, São Benedito e Guaraciaba do Norte, na região de Tianguá.

>Animais silvestres podem ser reservatórios de vírus

Dois saguis e um macaco-prego foram encontrados com o vírus na serra. Um mico foi achado na região costeira. Outros dois saguis e um macaco prego foram analisados na caatinga. O que chama mais atenção é que um dos primatas era tratado como animal de estimação.

Conforme a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (Sesa), em seu portal oficial, "a preocupação, agora, é com a possibilidade real de que o vírus zika seja transmitido a humanos a partir dos animais silvestres, como ocorre com a febre amarela. Essa possibilidade pode apontar para um dos motivos de o zika ter se disseminado tão rapidamente pelas Américas".

Segundo a bióloga Silvana Regina Favoretto, coordenadora do projeto "Raiva em silvestres terrestres da Região Nordeste do Brasil: epidemiologia molecular e detecção da resposta imune", a descoberta foi feita por solicitação do Governo de São Paulo, que demandou a todos os pesquisadores de estudos sobre vírus a ampliação do estudo para o zika.

Os animais testados têm hábitos domésticos ou vivem próximos aos humanos. Na pesquisa foram capturados, no total, 15 "soins" e nove macacos-prego, todos eles em áreas com notificação de zika e ocorrência de microcefalia. Os estudos e análises do material genético foram realizados por pesquisadores da Sesa, publicado no dia 20 de abril - este é o primeiro relatório sobre a detecção do vírus entre os primatas neotropicais do Brasil.

Análises

O estudo inédito coletou amostras de sangue e saliva de saguis (Callithrix jacchus) e macacos prego (Sapajus libidinosus). Os testes tiveram início em julho com conclusão em novembro de 2015, nas áreas de maior índice de epidemia do Ceará. Conforme o trabalho, após a coleta das amostras, os primatas foram marcados com microchips e lançados de volta aos seus locais originais. Na análise preliminar do material coletado houve registro de 29% de positividade.

Para validar ainda mais, os cientistas sequenciaram e amplificaram a amostra coletada dos macacos. O diagnóstico descobriu que os animais tinham ZIKV com 100% de semelhança com outras ZIKV da América do Sul. Conforme o estudo, o trabalho "permanece como uma advertência para a possibilidade de que eles poderiam atuar como reservatórios, semelhante ao ciclo silvestre da febre amarela no Brasil", conclui a pesquisa. "Consideramos de extrema importância a continuidade dos estudos complementares que estão sendo conduzidos, a fim de que possam esclarecer o verdadeiro significado e a abrangência destes achados, assim como a sua importância para a epidemiologia da enfermidade emergente causada por este vírus", reforça a coordenadora da pesquisa.

O resultado encontrado pelos pesquisadores brasileiros podem apontar para um dos motivos de o zika ter se disseminado tão rápido pelas Américas. Em menos de dois anos, a doença já foi identificada em 35 países do continente, enquanto a dengue levou décadas para se espalhar na mesma amplitude.

Conforme a Silvana, "o que ocorre com os vírus é que, para eles (vírus) se multiplicarem em um organismo, precisam que as células de um indivíduo tenham um receptor. Eles só conseguem infectar as células que são permissivas a eles. Mesmo se um mosquito positivo a dengue picar o macaco, não consegue infectá-lo porque não há esse receptor nas células. Já na situação da zika, foi descoberto que sim".

Com o achado, os pesquisadores pretendem retornar ao Ceará em maio para fazer exames em mais macacos e tentar recapturar animais já testados para que eles sejam estudados de forma mais aprofundado. Camocim será o próximo município a ser visitado pela incidência das doença na região.

Entrevista com Naylê Holanda Duarte

Médica veterinária da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa)

“Ainda não podemos criar um alarde”

O que os agentes de saúde fazem ao encontrar um soim nas residências?

A gente faz um trabalho junto com as regionais e municípios. Quando encontram animais vivendo em cativeiro se faz a parte educativa de orientação. Até hoje ninguém nunca se recusou a dar o animal para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas). Vale lembrar que as pessoas que morreram de raiva no Ceará, por transmissão de soins, não sabiam do risco. Os animais recebidos pela instituição são tratados por médicos veterinários e, em seguida, inseridos em quarentena. No projeto de educação falamos como é a doença, vetores e meios de transmissão. Ainda não podemos criar um alarde sobre os efeitos desses animais na natureza com o zika vírus. 

As famílias que alimentam os animais reclamaram das capturas?

São bem receptivos. Fazemos um trabalho de educação explicando sobre os riscos do animal fora do habitat natural. Nós temos o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como parceiro. Orientamos os moradores quanto ao perigo de ter esses animais em convivência com humanos. Os animais que estão vindo para o Centro de Triagem em Fortaleza estão tendo amostras coletadas. 

A gente fez reunião essa semana com as secretarias do meio ambiente do estado e da prefeitura para relatar o fato encontrado e até para que eles pudessem se mobilizar com ações específicas, já que é tudo novo até para os pesquisadores. Desde 2012 não temos casos de animais com raivas humanas. O nosso núcleo também está realizando testes de raiva em bois, vacas, jumentos, morcegos e raposas. Em 2016, já detectamos 20 casos.

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