Educação de surdos: pandemia cria novos desafios aos estudantes com deficiência auditiva

Dia Nacional da Educação de Surdos traz reflexão sobre as barreiras na trajetória estudantil de pessoas com limitações na audição, diante da suspensão de aulas presenciais, que amplia a necessidade da acessibilidade do ensino

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
Legenda: Longe das movimentadas salas de aula, estudantes com deficiência auditiva enfrentam o desafio do ensino à distância
Foto: FOTO: JL ROSA

O ambiente escolar migrou para telas de computadores e de celulares durante o período de suspensão das aulas presenciais para conter a velocidade de propagação do novo coronavírus no Ceará. Essa alternativa para manter o calendário de ensino, contudo, precisa ser acessível à parcela da população que busca visibilidade neste 23 de abril: o Dia Nacional da Educação de Surdos.

Estão matriculados na rede pública estadual 448 estudantes com deficiência auditiva, conforme a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). Destes, 84 alunos estão no 3º ano do Ensino Médio e podem realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para o ingresso no ensino superior. São 215 intérpretes disponíveis nas escolas estaduais, 43 deles voltados para os concludentes que precisam reforçar a preparação para o Enem.

Para Ana Kelly Soares, estudante do 3ª ano do ensino médio da rede pública do Estado, ter de aprender por meio de ensino remoto, para o Enem, é um desafio. "Sei do perigo que atualmente estamos enfrentando, então estou buscando estudar, pesquisar, tentando de várias outras formas me preparar, mas é difícil", declara.

No ambiente de pandemia, cada unidade de ensino criou um plano de atividades domiciliares para cumprir a carga horária obrigatória de 800 horas durante a suspensão do ensino presencial, previsto até o dia 2 de maio, conforme decreto estadual. Com isso, a Seduc "apoia estudantes e educadores para o uso de aparatos tecnológicos, a fim de facilitar a conexão nas plataformas digitais como Aluno Online, Professor Online e o Google Sala de Aula".

No entanto, as instituições de ensino ainda precisam adequar melhor suas estruturas para atender às demandas de cada estudante, como analisa o professor de Língua Brasileira de Sinais (Libras), Hermeson Rocha. Também surdo, ele reflete que a relevância da acessibilidade se expressa logo durante a entrevista concedida à reportagem, quando foi necessária a intermediação de uma pessoa ouvinte. "Somos estrangeiros no nosso próprio lugar de origem. As pessoas precisam entender a importância da comunicação acessível. E digo isso para todas as formas de comunicação, não só a Libras, como braile e espaços de acessibilidade", reforça.

Acessibilidade

A comunicação sem acessibilidade também é apontada por Leila Camila de Sousa, aluna do último ano do ensino médio, como um dos maiores desafios do isolamento social. Para ela, as informações não chegam aos surdos como chegam para os ouvintes, e nesse desafio de compreender o momento de pandemia, é a mãe quem lhe auxilia na tradução das notícias. "Os programas de TV não possuem as janelas de Libras e não conseguimos saber sobre algumas informações, às vezes tão necessárias e importantes", expõe. "Todos somos iguais, precisamos dessa comunicação e dessas informações também. Mas todo mundo sabe que essa comunicação é falha, pois não temos os nossos direitos respeitados", protesta.

A comunicação escrita acontece de forma diferente entre pessoas surdas e ouvintes e, dessa forma, os professores bilíngues e os intérpretes podem levar o conhecimento aos estudantes com deficiência.

Nossa língua um é a Libras, e a língua dois, o português. É muito difícil fazer leituras sem tradução dos textos, pois a construção é diferente. Falta essa acessibilidade para que os surdos se sintam potentes e capazes de estar no mundo. É o que chamamos de fortalecimento da identidade surda", acrescenta Hermeson.

Hermeson propõe que os professores devem receber formação para se comunicar com segurança na língua falada e por meio dos sinais. Realidade que precisa ser ampliada em Fortaleza e no interior do Estado, como reforça o profissional. "As tecnologias podem ajudar muito nesse ensino, com vídeos aprofundando o ensino da sala de aula, além de pesquisas na web para o que está sendo ensinado possa ser visualizado", conclui.

Um ambiente onde professores ouvintes sinalizam Libras com segurança e passam a mensagem completa, tanto para alunos surdos quanto ouvintes, é o cenário ideal para a estudante Leila Camila. "Esse é um sonho que tenho, mas sei que todos são capazes de conseguir aprender e dar as suas aulas sinalizando em Libras, pois acredito em vocês professores", declara.

Airton Oliveira, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe), reforça que as escolas particulares mantêm o calendário com aulas remotas e atividades à distância. Ele explica que, com mediação das famílias, os alunos com surdez são melhor atendidos.

"O importante é que os alunos estão sendo assistidos de forma remota, há recursos tecnológicos de contato, e assim nós temos alcançado essa interação com os alunos com algum tipo de deficiência auditiva", acrescenta. Além disso, o presidente analisa que a maioria dos estudantes surdos da rede privada está em escolas especializadas para ensino acessível.

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