Volante Edmar, pulmão eterno de Porangabuçu

O jogador entrou em campo inúmeras vezes contundido, sob efeito de infiltrações e antibióticos, chegando a prejudicar a própria saúde por amor ao time

Legenda: Edmar recebeu a reportagem em sua casa e falou dos tempos em que, sozinho, era responsável pelo desarme do time do Ceará, por quem atuou como titular absoluto por quase uma década
Foto: Fotos: Érika Fonseca

Futebol eficiente, amor à camisa e raça marcaram durante 22 anos a carreira de um dos principais jogadores da história do Ceará Sporting, o volante Edmar Oliveira Araújo, atualmente com 66 anos de idade. O craque é o único atleta a ter participado das quatro campanhas do primeiro tetracampeonato do Alvinegro - de 1975 a 1978. Com a camisa do clube, atuou em 582 oportunidades, quase todas como titular absoluto. O que muita gente não sabe é que Edmar entrou em campo inúmeras vezes contundido, sob efeito de infiltrações, antibióticos e outros medicamentos permitidos à época pela legislação desportiva, sacrificando a própria saúde em defesa das cores do Ceará.

Quem já passou dos 50 anos teve o privilégio de acompanhar dentro das quatro linhas um jogador que, de forma rara e feliz, aliou uma invejável técnica para desarmar os atacantes a um preparo físico sem precedentes. O "pulmão" fora de série, aliás, lhe rendeu o apelido de Butaninho durante boa parte da carreira como atleta.

Dono da 5

Edmar nasceu em Fortaleza, no dia 6 de novembro de 1947. Aos 17 anos, ingressou nas categorias de base do Ferroviário. Em 1966, se firmou como titular. No fim da temporada de 1970, foi contratado pelo Ceará, onde permaneceu até 1980. O mais impressionante é que, durante todo esse tempo, foi o dono absoluto da camisa cinco.

Títulos

De Porangabuçu, seguiu para o Guarani de Campinas, onde passou duas temporadas. Depois, foi contratado pelo Criciúma. Em 1983, voltou ao Ceará e novamente saiu, desta vez para o Treze de Campina Grande. Durante sua trajetória nos gramados, conseguiu a extraordinária marca de 12 títulos estaduais - sete pelo Ceará, dois pelo Ferroviário, dois pelo Treze e 1 pelo Guarani (Taça de Prata), além de sete vices. "Em toda a minha carreira, quando não colocava a faixa de campeão, era pelo menos vice", garante.

Veja especial sobre o centenário do Ceará

Mas Edmar guarda algumas mágoas do futebol. A principal delas foi a sua primeira expulsão, após nove anos e seis meses de carreira. "Estava a seis meses de ganhar o troféu Belford Duarte. Era um jogo sem importância pelo Estadual, pois estávamos no segundo tempo e o Ceará ganhava de 3 a 0 do América. Numa brincadeira que fiz em campo com o Lídio Neto, o árbitro Manuel Araújo nos interpretou mal e nos colocou para fora. Foi uma injustiça sem tamanho", relata Edmar, que só foi expulso mais uma vez, quando atuava pelo Criciúma.

Edmar vive hoje de duas aposentadorias que recebe. Reside na sua casa própria, no Bairro Carlito Pamplona. Chegou a treinar clubes profissionais, como o Calouros do Ar, por onde encerrou a carreira de atleta em 1986, aos 37 anos, Treze de Campina Grande e o River do Piauí, pelo qual foi campeão.

Mesmo aos 66 anos, o lendário "pulmão de aço" ainda continua a desafiar o tempo, participando do "Racha dos Craques do Adauto".

Edmar tem três filhos, um dos quais, Weldel Araújo, é atleta de futsal. Tentou ingressar no time de futebol do Ceará mas, segundo o pai, não lhe foi dada a chance merecida.

Sobre a época romântica do futebol, o ex-craque faz uma revelação. "Gostava muito de "uma cervejinha. O Artur e o Pedro Basílio - ambos já falecidos -, dois grandes amigos e companheiros, me chamavam de sonso. É que eu bebia mais do que eles. Só que, por conta do meu temperamento tranquilo, pouca gente sabia. Depois de uma cervejada, ia para casa. Eles, ao contrário, acabavam se envolvendo em algumas presepadas e, no outro dia, a notícia estava no mundo. No entanto, isso era uma prática comum. O importante é que, dentro de campo, nós nos entregávamos".

Segundo seu relato, certa vez, na companhia de Artur, Basílio e do ex-massagista Jouberval José, em pouco menos de três horas, os quatro consumiram 63 cervejas. "Foi comemorando a conquista de um turno. No dia seguinte, já estávamos treinando normalmente. Quando estive no Treze, a própria diretoria bancava a conta após ganharmos um título".

Edmar se lamenta da "falta de orientação" na época em que atuava. "Hoje, poderia estar muito melhor de vida. A gente ganhava dinheiro e não sabia como investir. O Simplício, quando deixou o Ferroviário e retornou para João Pessoa, me deu a casa onde ele morava no Conjunto Nova Assunção. Não me interessei e acabei perdendo o imóvel. No Guarani, comprei um apartamento em Campinas, que vendi. Hoje não faria isso".

ONG Bola de Meia

O craque se emocionou em alguns momentos da entrevista, como ao falar dos companheiros Artur e Basílio. Entretanto, é quando relata sua atividade atual que Edmar se empolga. "Tenho um projeto para garotos dos quatro aos 17 anos, o ONG Bola de Meia, que é realizado no Conjunto São Miguel, em Caucaia, ao lado do antigo (Frigorífico) Frifort. São crianças carentes que buscam uma oportunidade na vida através do futebol".

Edmar toca o projeto ao lado de Francisco das Chagas, ex-jogador. "Temos poucos apoio de patrocinadores, além da ajuda de torcedores comuns, como o Édson Contador e o Lula Moraes. Afora isso, não recebemos ajuda de ninguém. Enquanto puder, ensinarei o que aprendi a essa garotada que não tem qualquer outra opção de lazer".

Fernando Maia
Repórter