Conheça Wilson Sabóia, o treinador que levou o futsal feminino brasileiro ao topo do mundo
Técnico conquistou o 1º Mundial da modalidade realizado pela Fifa
Quem diria que o atleta pouco aproveitado se tornaria um dos mais respeitados técnicos de futsal da atualidade. Educador, defensor do futsal feminino e da inclusão através do esporte, o cearense Wilson Saboia encerra a temporada de 2025 com o inédito título da primeira Copa do Mundo da modalidade, promovida pela Fifa. Há dez anos no comando da Seleção feminina, com apenas uma derrota, ele mantém os pés no chão e não perde de vista a vontade de contribuir para a evolução do esporte. No peito, o crucifixo traz a fé como esteio dos amores: a família e o futsal.
No peito, Wilson Saboia carrega uma cruz dourada. Tão brilhante quanto a trajetória que vem construindo com títulos e esforço em ver a evolução do futsal. O amuleto tem sido testemunha do legado no esporte, que tem grande contribuição dele.
“Essa cruz aqui são meus três filhos, minha família. Todo jogo lá eu ficava beijando ela. É meu sentimento, é o amor que eu tenho pelo esporte, pela Educação Física no geral. É o amor que eu tenho a Deus. Tudo que eu consegui até hoje, principalmente em relação a títulos e tudo, eu devo tudo a Deus”, afirmou.
“No jogo de abertura da Copa do Mundo foi aniversário do meu pai. E o jogo de fechamento foi o aniversário da minha mãe. Então, quando recebi a tabela e vi. Pensei: será que é alguma coisa me falando que a gente vai para a final? E realmente fomos. A ficha não caiu ainda. Passa muita coisa na cabeça”, revelou.
Título mundial
O Brasil conquistou seis vitórias em seis jogos disputados. Foram 32 gols marcados e apenas quatro sofridos na competição realizada nas Filipinas, no último fim de semana. A seleção avançou de fase como líder do Grupo D. Nesta fase, a equipe superou Irã (4 a 1), Itália (6 a 1) e Panamá (0 a 9). Nas quartas, derrotou o Japão (6 a 1). Na semi, superou a Espanha (1 a 4) e passou pela seleção portuguesa na briga pelo título com placar de 0 a 3. O treinador explica o diferencial da equipe.
“Um atleta de rendimento precisa ter cinco pressupostos: o técnico, o tático, o físico, o cognitivo e o comportamental. Os cinco são importantes. Nós somos o time mais mapeado no mundo nos últimos seis meses. Todas as outras seleções mapearam nossas atletas. Mas eu falava: eles podem mapear nossos movimentos, mas não podem mapear o cognitivo de vocês. É quase impossível. Então use a inteligência, tome as decisões corretas, que o resultado será satisfatório”, destacou Sabóia.
Foram 52 dias de treinamento para o título inédito chegar. Wilson enxerga a conquista para além do pódio.
“O principal legado é massificar o esporte nas escolas, principalmente o futsal feminino. O futsal é o esporte mais praticado nas escolas do Brasil. Uma conquista dessas, principalmente no gênero feminino, vai motivar muito os profissionais de Educação Física, que trabalham com esporte nas escolas, para poder desenvolver pedagogias e metodologias mais inovadoras, absorvendo todos esses alunos-atletas, sejam de rendimento ou não”, destacou.
“É deixar um legado de profissionalismo, de fazer com que o esporte seja inclusivo também dentro do contexto da escola. Para fazer com que essas crianças saiam da rua e entrem na escola. Educando, tendo visibilidade e podendo, futuramente, ter uma profissão”, completou.
A Confederação Brasileira de Futebol é responsável pelo futsal nacional desde 2021. Atualmente, outro cearense lidera a pasta na entidade: Mauro Carmélio, também presidente da Federação Cearense de Futebol (FCF). Saboia tem acompanhado a transformação da modalidade de perto. No comando da Canarinho desde 2015, ele ressalta mudanças importantes.
“A CBF deu um apoio grande em relação à gestão, às meninas, ter mais convocação. Nós fizemos um trabalho de mapeamento de mais de 80 atletas no mundo todo para termos uma fase de treinamento maravilhosa, com 14 atletas. Foi muito difícil escolher, mas acredito que a escolha foi de excelência. Foi um resultado maravilhoso”, pontuou.
Novo momento do futsal feminino
“O futsal brasileiro vive um momento de virada. A modalidade cresceu em organização, visibilidade e profissionalismo. E muito disso se deve à atual gestão da CBF, que teve a coragem de criar a Diretoria de Futsal. Isso mudou tudo. Trouxe planejamento, investimento, credibilidade, e uma visão moderna que o futsal precisava há anos”, destacou Carmélio.
“No feminino, o impacto é ainda mais expressivo e visível. A estrutura oferecida hoje à Seleção é inédita. Temos mais convocações, mais competições e uma Seleção bem estruturada”, completou.
Tem cearense em todo lugar
Além de Wilson Saboia e de Mauro Carmélio, outras três cearenses também integram o grupo da seleção de futsal feminino. Amandinha, eleita oito vezes melhor jogadora do mundo, marcou um dos gols da final. Além dela, Simone Sindy e a preparadora física Rosilene Marques.
“A Amandinha é uma atleta exemplar dentro e fora de quadra. Costumo dizer que os atletas resolvem os problemas do jogo, e o técnico tenta resolver os problemas do treino. E ela tem uma competência grande tanto no treino quanto no jogo para ajudar as atletas que estão com ela em quadra”, afirmou Wilson.
“Eu, Amandinha e a Simone passamos por toda essa estrutura de desenvolver atletas (nas escolas). Comecei na Unifor como aluno de Educação Física, em 88, sou professor. Então, podemos, dentro do ensino, da pesquisa e da extensão desenvolver projetos maravilhosos capacitando esses atletas para ter mais Amandinha, mais Simone, para desenvolver mais não só o futsal, mas todos os esportes e termos resultados magníficos como tivemos”, completou.
A camisa 12 celebrou o título em postagem numa rede social. Ela destacou o empenho das 32 pessoas, entre atletas e staff, que formaram o grupo.
"Trabalharam incansavelmente pra buscar a primeira estrela, que abdicaram de muitas coisas pra representar com a maior honra o nosso Brasil. Foram tantas coisas inesquecíveis vividas. Nesses 50 dias juntos, nós atletas tínhamos que, acordar, comer, treinar, recuperar, treinar, comer, dormir, e no outro dia tudo outra vez. O corpo técnico? Fizeram tudo o possível pra nos dar o melhor, profissionais humildes e trabalhadores incansáveis mesmo. Nos deixaram com a faca e o queijo na mão e, disseram, cortem. Cortamos", escreveu Amandinha.
"Foi lindo vivenciar tudo isso ao lado de vocês, era como olhar pro lado todos os dias e pensar: eu tenho os melhores comigo, que loucura. Apesar disso também somos humanos, e também passamos por medos, angústias, incertezas/dúvidas, questionamentos. Brigamos, nos desentendemos, pensamos diferente, nos estressamos, sentimos dores, queremos desistir. Mas nós, nós somos o Brasil e a gente não desiste até ir lá e conseguir. CONSEGUIMOS", completou.
UMA DÉCADA DE SELEÇÃO
A paixão pelo futsal veio de quem não se deu muito bem dentro de quadra. Wilson tentou ser atleta, mas reconheceu não ter lá tanto jeito para isso. Ao entrar na Unifor, entendeu que a missão dele era outra. A frustração o empurrou para outro grande talento.
“Era um ex-atleta meio frustrado, não jogava bem. Já que não sou um bom jogador, vou adquirir conhecimento para ensinar os atletas a jogarem. Foi aí que comecei a perceber que eu poderia ser um bom técnico. Eu me apaixonei pela Educação Física e comecei a me tornar um profissional trabalhando especificamente com futsal e futebol”, relembrou.
O tempo foi generoso. Já são 35 anos como educador físico. Ele é professor em escolas públicas e privadas, além de docente na Unifor desde 2002. É especialista em Educação Física Escolar, além de mestre e doutor em Educação. Escreveu um livro: Metodologia do Ensino do Futsal. Tanto conhecimento e dedicação virou título. Aliás, títulos.
Em uma década de seleção, foram 75 jogos, com 72 vitórias, dois empates e apenas uma derrota. Além da taça na 1ª Copa do Mundo Feminina de Futsal, ele acumula quatro troféus na Copa América Feminina (2017, 2019, 2023 e 2025), o tricampeonato no Torneio Intercontinental (2019, 2024 e 2025). Saboia também foi eleito Melhor Técnico do Mundo (Futsal Planet Awards - 2023 e 2024). Ele destaca a importância de se reinventar nesse processo.
“Em dez anos não se pode ser a mesma pessoa. A estrutura metodológica do treino muda. As questões físicas, técnicas. O jogo vira mais dinâmico. E se o jogo é mais dinâmico, o professor tem que ser dinâmico no seu pensar, no seu agir. Nós temos que socializar os caminhos. A forma de caminhar é o atleta que tem que ter. Então, para que a gente possa seguir com esses resultados, precisamos escutar muito os atletas, perceber os anseios, saber como está sendo jogado o jogo de alto rendimento”, ressaltou o treinador que venceu todas as 18 partidas de 2025.
O treinador avaliou a temporada e projetou o próximo ano, que terá seis convocações na Data Fifa. Um dos focos é afiar o olhar para as categorias de base.
““O ano foi magnífico. A temporada desse ano foi maravilhosa e queremos que em 2026 a gente continue desenvolvendo o futsal. Queremos estimular as categorias de base do Sub 20 e Sub 17 do feminino. As gerações passam. Então, vamos ter reuniões com a CBF para apoiar mais a base. Para que a gente possa, depois desta geração que tiver saindo, ter outra dando resultado também. Então, no próximo ano, teremos convocação adulta, sub 23, para mantermos o nível altíssimo das atletas e ter resultados no futuro”, finalizou.