Casos de Covid-19 são confirmados em Centro Socioeducativo
Duas internas testaram positivo e grupo de adolescentes é liberado pela Justiça. A reportagem apurou que 20 servidores que atuam nas unidades para adolescentes infratores também foram infectados pelo novo coronavírus
Assim como nos presídios, os centros socioeducativos do Ceará já apresentam casos de Covid-19. A presença do novo coronavírus dentro das unidades amedronta servidores e adolescentes em conflito com a lei. Dentro dos prédios e entre grades, as chances do vírus e da desinformação se espalharem são grandes, principalmente quando faltam equipamentos de proteção individual e os testes para detectar a doença chegam para poucos.
No Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa Mota (CSABM), em Fortaleza, o único da capital a abrigar adolescentes infratoras do sexo feminino, duas internas testaram positivo para Covid-19. De acordo com o juiz Manuel Clístenes, titular 5ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, a disseminação da enfermidade no centro feminino atrelada à impossibilidade de, devido às condições do prédio, manter um isolamento eficaz, fez com que internas precisassem ser liberadas.
Na última segunda-feira (11), o magistrado analisou os casos e decidiu pela liberação de nove adolescentes em conflito com a lei. Dentre as jovens há quem se encaixe no grupo de risco por estar grávida ou ter doença crônica.
"Diante desta situação, a saída de algumas foi autorizada. Nos centros masculinos há blocos, tem como dividir, tem como isolar. A estrutura do feminino é diferente, não há essas condições. São três dormitórios em uma área de isolamento que só são usados em momentos extremamente excepcionais. A ventilação não é boa, então não tem como usar para pessoas doentes. Nós reavaliamos os processos para diminuir a quantidade de adolescentes nos centros socioeducativos. Muitos já foram liberados durante este período da pandemia", explicou Manuel Clístenes.
Descaso
Se os jovens infratores permanecem em isolamento obrigatório dentro dos centros socioeducativos e separados da sociedade, como a Covid-19 chega até eles? A maior suspeita é que a porta de entrada da doença seja os próprios servidores da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducarivo (Seas) que mantêm contato direto com os adolescentes.
A reportagem do Sistema Verdes Mares apurou que, pelo menos, 20 servidores da Seas, a maioria socioeducadores, foram infectados pelo novo coronavírus. Em contato com colaboradores da Superintendência, eles reclamaram sobre descaso e abandono por parte da Seas.
De acordo com uma servidora, que optou por não se identificar temendo represálias, "os socioeducadores e as socioeducandas estão com medo, receosos. As adolescentes pedem máscaras e sabem que nós somos quem podemos acabar transmitindo a doença para elas".
A colaboradora conta que ao perceber que os próprios socioeducadores não têm equipamento de proteção completo, os jovens percebem que ali mora um grande risco. "A gente entende que é algo mundial, mas nos entristece e nos abala a forma como os funcionários vêm sendo tratados. Dói na alma".
Um socioeducador que atua em outra unidade acrescenta que os funcionários não sabem quem testou positivo para Covid-19 e quem não. Ele reclama de omissão por parte da direção do centro e da Superintendência. Conforme o servidor houve uma situação na qual ele soube durante conversa informal que um colega de trabalho com quem teve contato testou positivo para o novo coronavírus.
"Nem os profissionais da enfermagem são comunicados quando alguém dá positivo. Acontece que mais de um funcionário divide a mesma atividade, então, pelo menos esse deveria ser informado sobre o resultado do outro. É um direito da pessoa saber, porque essa doença expõe o coletivo a riscos de saúde. A Seas criou um protocolo, mas não cumpre. Têm pessoas que ficam afastadas 14 dias e voltam sem realizar nenhum teste. Se tiver algum sintoma? É obrigatório ter o atestado. Sem isso, não te afastam", denunciou o socioeducador.
Outro técnico corrobora as informações prestadas pelos colegas de trabalho e diz ter "sensação de abandono". De acordo com o técnico, que também pediu para não ter sua identidade revelada, a realidade muda de acordo com o Centro. Em algumas unidades só chegam máscaras "de péssima qualidade e álcool em gel que, às vezes, nem é 70%, como indicado. Máscaras? Toucas? Óculos? Isso é coisa que só passa nas redes sociais. A maioria dos profissionais não possui", pontuou.
Medidas
Assim como a administração dos presídios, a Superintendência dos centros onde estão adolescentes em conflito com a lei não divulga os números de infectados e qual o avanço da Covid-19 no sistema socioeducativo. A Seas se negou a informar à reportagem o número de servidores afastados e também de casos confirmados da doença.
Por nota, a Seas informou que não poderia compartilhar a informação devido a questões de segurança, mas garantiu que "todas as medidas para minimizar os impactos da Covid-19 nos centros socioeducativos já estão sendo adotadas desde que os primeiros casos apareceram em nosso Estado" e que vem testando servidores, terceirizados e internos "para antecipar casos suspeitos, promover um tratamento entre casos confirmados e prevenir a disseminação do novo coronavírus nos centros socioeducativos".
Também segundo a Pasta, as atividades internas dos adolescentes em cumprimento de medida continuam sendo realizadas normalmente, porém evitando aglomerações e seguindo as orientações de higienização da equipe de saúde. Para combater a doença, de acordo com a Seas, há ações baseadas em um plano de contingência, como avaliar diariamente o estado de saúde dos funcionários e internos, tira-dúvidas sobre o coronavírus, distribuição de equipamentos de proteção individual aos colaboradores, treinamento da equipe interna para lidar com casos suspeitos e suspensão de visitas de familiares.