Sistema agroflorestal é referência produtiva em Juazeiro do Norte

Uma das principais economias do Ceará, a terra do Padre Cícero é notabilizada pelo comércio e pelo setor industrial. Mesmo com 96% do território urbanizado, muitas famílias ainda sobrevivem da agricultura familiar

Escrito por Antonio Rodrigues , regiao@verdesmares.com.br
Legenda: Mão de obra familiar e manejo sustentável mantêm safras fartas e produtos de qualidade o ano inteiro
Foto: FOTO: ANTÔNIO RODRIGUES

A agricultora Maria Ferreira Gonçalves, a Dona Bia, nunca usou agrotóxicos. Inicialmente, produzia hortaliças em pequenos canteiros feitos com pneus. Depois, criou defensivos naturais para o controle de pragas usando mamona, alho e pimenta. "Tudo que pegava, ela fazia testes", conta o filho, o também agricultor Ednaldo Ferreira Gonçalves.

Há quatro anos, Dona Bia faleceu e deixou como legado para os 13 filhos o trabalho de base agroecológica realizado no Sítio Jurema, em Juazeiro do Norte. A partir dessa iniciativa, o cultivo foi ampliado a partir da agricultura sintrópica, sistema agroflorestal adotado no fim de 2017.

O trabalho na pequena propriedade é tocado por Ednaldo e outras quatro pessoas da família que moram no entorno. Banana, mamão, cana-de-açúcar, cheiro-verde, alface, beterraba, cenoura, couve, feijão e milho são colhidos quase o ano inteiro. Com o novo sistema, outras culturas estão sendo experimentadas como a amora, que já rendeu alguns frutos, e o açaí, que está em fase de adaptação. "As primeiras não deram certo", admite o agricultor.

Novas perspectivas

A mudança na forma de enxergar a agricultura transformou a vida da família. "O milho e o feijão, que só dava (sic) no inverno, agora a gente tá tendo de inverno a verão", ressalta Ednaldo. Com as sombras formadas pelas bananeiras, mamoeiro, por exemplo, até a maneira de trabalhar mudou. É mais saudável. A gente trabalha até sem protetor (solar)", conta.

Se antes, o chão era irrigado três a quatro vezes por dia, agora são duas vezes, no máximo. "Até o consumo de água diminuiu", comemora o agricultor.

O acesso a água foi parte importante para implantação deste trabalho. Além de equipamentos, frutos de políticas públicas, como as duas cisternas, a propriedade conta com recurso hídrico retirado de um cacimbão. "Com acesso a água, o apoio da família e a disposição de encarar, o projeto facilitou nosso trabalho", explica a engenheira agrônoma Raylane Brito, que acompanha a família.

Os produtos são comercializados em duas feiras orgânicas de Juazeiro do Norte, uma que funciona toda quarta-feira, no Cariri Garden Shopping, e outra na Praça José Geraldo da Cruz, nas sextas-feiras. Cunhado de Ednaldo, o agricultor João Evangelista é responsável pelas vendas.

Legenda: Sítio Jurema tem terra fértil e capacidade produtiva
Foto: FOTO: ANTÔNIO RODRIGUES

"O pessoal consome mais as hortaliças. Mas teve coisa que a gente plantou a pedido, como a couve flor. A gente plantou na sombra e tá se desenvolvendo bem, mesmo fora do inverno", conta otimista. As feiras rendem R$ 600 por semana. Há, ainda, a venda de cestas de verduras que garantem mais R$ 700 semanais. A produção de geleia artesanal soma R$ 200 mensais, e os brotos usados para decorar pratos geram R$ 50 por semana.

Exceção à regra

Como quarta economia do Ceará, a terra do Padre Cícero é marcada pela força do comércio e também da indústria, sobretudo fábricas de calçados, semijoias e peças de alumínio, que empregam boa parte da população. Com pequena extensão territorial, a taxa de urbanização de Juazeiro do Norte fica acima de 96%. Por isso, são poucas as grandes propriedades rurais.

Contrariando tudo isso, em pouco espaço de terra, o trabalho dos filhos de dona Bia se tornou referência em sistema agroflorestal no Cariri. A ideia de trabalhar com este modelo partiu da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento (Seagri) há dois anos. "Fizemos uma primeira reunião para apresentar a proposta do cultivo de agrofloresta e o desafio foi aceito. Começamos com um curso de agricultura sintrópica", explica o titular da Pasta, Romão França.

Durante três dias, foi realizado o primeiro curso, responsável por montar a primeira unidade de cultivo, o talhão, em pouco menos de 7 metros quadrados. Hoje, está consolidado com uma produção 100% orgânica, em processo de certificação. "No dia 11 de dezembro, vamos receber a Comissão da Produção Orgânica do Ceará, com representantes do Ministério da Agricultura. Logo, estará recebendo o certificado", acredita o secretário.

Mas não é só no Sítio Jurema que a agricultura é desenvolvida em Juazeiro do Norte. No Sítio São Gonçalo, 36 famílias produzem boa parte das hortaliças consumidas na terra do Padre Cícero, incluindo as que abastecem o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

Outras experiências acontecem nas comunidades do Sabiá, Logradouro, Espinho, Carás do Umari e Carneiros.

"Apesar de Juazeiro ter um território pequeno, é totalmente agricultável. O solo é bom, há um regular manancial de água subterrânea", reforça Romão.

Impacto econômico

Do Produto Interno Bruto (PIB) de Juazeiro do Norte, apenas 2% vem da agricultura, enquanto 86% provêm do comércio e serviços e 12% da indústria. Isso não significa que são poucas as famílias que ainda mantêm a agricultura familiar como forma de sustento. Segundo o Escritório local da Empresa de Assistência Técnica Extensão Rural do Ceará (Ematerce), 422 famílias são assistidas, enquanto outras 1200 são orientadas. A estimativa é de mais de 2 mil trabalhando na roça.