STF julga obrigatoriedade de vacina contra Covid-19 exigida por estado e município; o que diz a lei

Ações com objetivos contrários são movidas por partidos políticos. para especialistas, o bem-estar coletivo deve prevalecer diante das liberdades individuais

Legenda: Anvisa muda diretrizes para análise e aprovação do uso emergencial de vacinas contra a Covid-19
Foto: Thiago Gadelha

No mesmo dia em que o governo federal lançou oficialmente o plano nacional de vacinação contra a Covid-19, nesta quarta-feira (16), o Supremo Tribunal Federal (STF) começou o julgamento que definirá se estados e municípios brasileiros podem exigir a obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus à população.

As Ações Diretas de Inconstitucionalidade que discutem o assunto têm como relator o ministro Ricardo Lewandowski, que deu o único voto do primeiro dia e defendeu que os governos federal, estadual e municipal podem impor a obrigatoriedade da vacina contra Covid-19 desde que exista uma lei nesse sentido.

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Em uma das ações (ADI 6.586), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pede o reconhecimento da competência de estados e municípios para exigir a vacinação compulsória da população. “É preciso repelir a interpretação de que a autoridade competente para dispor acerca da compulsoriedade da imunização seria exclusivamente o Ministério da Saúde, sem qualquer atuação supletiva dos gestores locais”, diz o texto da ADI.

Já a segunda ação direta (ADI 6.587), movida pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), é contra a obrigatoriedade da imunização. "No presente caso, a imposição de vacinação compulsória se mostra incompatível com preservação da vida e da saúde dos indivíduos, já que as vacinas contra a COVID 19 até agora anunciadas carecem de comprovação da sua eficácia, bem como da sua segurança", argumenta.

Vacinação obrigatória para menores de idade

Também está na pauta de discussão desta quarta-feira o Recurso Extraordinário com Agravo com repercussão geral para todas as instâncias sobre a obrigatoriedade dos pais vacinarem seus filhos menores de idade por motivos filosóficos, religiosos ou existenciais. A ação é movida por um casal de São Paulo contra a necessidade de vacinar o filho. 

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Polêmica jurídica em torno da possível obrigatoriedade da vacinação

Como o Seu Direito já abordou, há um consenso ético e jurídico de que, em situações como a que vivemos hoje, de ameaça global à saúde pública, o bem-estar coletivo deve prevalecer diante das liberdades individuais. 

“Entendemos que a imunização é necessária como forma de proteção dos indivíduos. É um direito da coletividade em detrimento da individualidade”, afirma Laciana Lacerda, integrante da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE).

Presidente da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Gabriel Oselka compreende que seria preferível que não houvesse a necessidade de vacinação compulsória. Porém, diz, “as consequências que estamos enfrentando justificam uma intervenção desse tipo”, principalmente por ainda se saber pouco sobre a eficácia da imunização e por, certamente, não haver doses suficientes para vacinar toda a população. 

“Não sabemos como vai estar a situação no momento em que as vacinas vão estar disponíveis. Seguramente, não vamos ter vacina suficiente pra que haja uma vacinação de toda a comunidade a ponto de se conseguir uma imunidade coletiva. A discussão vai ser mais complicada por causa disso”, acredita o representante da SBIm. A expectativa, segundo ele, é de que apenas grupos prioritários (profissionais da saúde, idosos, pessoas com comorbidades) recebam as primeiras doses.

Na perspectiva de uma vacinação compulsória, Gabriel ressalta ainda que as discussões devem considerar os custos provocados para a sociedade por quem escolhe não se vacinar. “As consequências individuais (como sequelas da Covid-19) e os custos para a sociedade (com assistência) são muito grandes. Estamos vendo isso com o transcorrer da pandemia”, observa.

Responsabilidade compartilhada

Lei 13.979 diz expressamente que governadores têm o poder de, dentro das suas competências, estabelecer protocolos próprios de controle da pandemia de Covid-19, o que inclui, além de esquema de vacinação compulsória, testagem laboratorial, exames médicos, coletas de amostras clínicas e tratamentos médicos específicos.

Contudo, a gestão da saúde pública brasileira é pactuada entre União, Estados e Municípios. E isso significa que, quando um desses entes federativos se exime da responsabilidade que lhe cabe, os outros tendem a ter dificuldades para cumprir a própria parte. “O Município entra de forma muito pesada na criação do cronograma vacinal, o Estado vai acompanhar junto às suas autoridades sanitárias, mas é o Governo Federal quem tem que ditar as regras. Se os três não estiverem juntos, estamos fadados ao fracasso”, analisa Laciana Lacerda.

Circulação de informação correta

Laciana e Gabriel acreditam que, independentemente da origem, uma vacina contra a Covid-19 só será distribuída no Brasil se for segura e eficaz. Ambos os especialistas confiam que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve cumprir o protocolo de análise do imunizante e disponibilizar para consulta pública todos os dados científicos envolvidos. A partir daí é que Estados e Municípios devem criar os próprios protocolos de vacinação.

Vacina está sendo desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o instituto paulista Butantan
Legenda: Vacina está sendo desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o instituto paulista Butantan
Foto: Divulgação/AFP

“A vacina não vai ser colocada para a população de qualquer forma. O Estado também tem que garantir a segurança”, tranquiliza Laciana. “Acredito completamente que a Anvisa vai tomar decisões baseadas em dados técnicos e científicos”, defende Gabriel. O especialista lamenta, porém, que a discussão tenha sido politizada a ponto de confundir a população. “Isso traz um grau de insegurança para quem está ouvindo essa discussão. E, se as pessoas não tiverem informação, não têm competência pra discutir”. 

Coerção 

De acordo com Laciana Lacerda, o que geralmente acontece numa hipótese de vacinação compulsória é que, quem escolhe não se vacinar, perde direitos civis como emissão de passaporte e acesso a programas assistenciais do Governo, por exemplo. Além disso, Gabriel lembra que há Municípios que cobram a caderneta de vacinas obrigatórias no momento de matricular crianças em escolas públicas ou privadas. 

Contudo, ainda não há sanções previstas para uma possível obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19. A única coisa que se sabe é que, pela Lei 13.979, o descumprimento das medidas previstas para o enfrentamento à pandemia “acarretará responsabilização”.

Amparos legais de uma vacinação obrigatória da Covid-19

Lei 13.979

Aprovada em Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 6 de fevereiro de 2020, essa lei versa especificamente sobre a pandemia de Covid-19 e é a que se sobressai atualmente. Nela, está escrito no artigo 3 que, para enfrentar a emergência de saúde pública de importância internacional de que trata a lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, a determinação de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas.

A lei também determina que “as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas e o descumprimento delas acarretará responsabilização”.

Constituição Federal

O inciso II do artigo 23 da Constituição de 88 diz que é “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública”. 

Além disso, o artigo 196 da Constituição afirma que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O parágrafo primeiro do artigo 14 do ECA menciona ser “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.

Código Penal

O artigo 268 do Código Penal, no que se refere a crimes contra a saúde pública, diz que é infração de medida sanitária preventiva “infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, com pena de detenção de um mês a um ano e multa. A pena é aumentada em um terço se quem a tiver cometido for funcionário da saúde pública ou exercer a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

No artigo 132, o Código também prevê detenção de três meses a um ano a quem expuser “a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”.

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