Mundo vivencia pelo menos mais 10 conflitos armados além da guerra entre Rússia e Ucrânia; veja locais

No momento, há confrontos nacionais e internacionais com o uso de armas nas áreas da África subsaariana, Oriente Médio, Norte da África, Ásia e Europa

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
guerra
Legenda: Até o momento, estima-se que mais de 500 mil pessoas fugiram da Ucrânia para países vizinhos.
Foto: Ukraine Emergency Ministry Press Service / AFP

Disputas diversas, sejam políticas, por território, religiosas, étnicas, dentre outras. Conflitos armados entre países, entre forças dos próprios governos, entre governo e rebeldes ou entre esses últimos e outros grupos não estatais marcam a história. Na atualidade, a guerra da Rússia e Ucrânia é foco, mas no mundo há, ao menos, outros 10 conflitos armados ocorrendo.

Pontos de tensão com milhares de vítimas. Mortes, terror, desespero e fugas. Nesse cenário, a guerra da Rússia e Ucrânia tem dimensão e intensidade maiores?

Diversas organizações e centros de pesquisa no mundo tentam monitorar e trabalhar com estimativas dos combates armados no mundo contemporâneo, que assim como na tensão entre Rússia e Ucrânia, resultam em tragédias humanas.   

O Diário do Nordeste usou dados de três instituições: o Rastreador de Conflito Global, do Conselho de Relações Estrangeiras dos Estados Unidos (CFR); o Projeto de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados (Acled, sigla em inglês), organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos; e o Programa de Dados sobre Conflitos da Universidade de Uppsala (UCDP), da Suécia, para indicar em quais regiões, em paralelo a guerra da Rússia e Ucrânia, as populações também estão são afetadas por conflitos armados

No atual momento, conforme os dados das instituições mencionadas, ao menos, 6 países vivenciam guerras civis, quando há disputa armada entre pessoas de uma mesma nação. 

Informações das três instituições indicam que há conflitos nacionais e internacionais ativos nas regiões da África subsaariana, Oriente Médio, Norte da África, Ásia e Europa. São eles:

           Guerra/Guerra Civil

  • Na Líbia
  • No Sudão do Sul
  • No Iêmen
  • Na Etiópia
  • No Afeganistão
  • Na Síria

            Conflitos

  • Entre Israel e a Palestina
  • Na Região do Sahel
  • Entre a Turquia e curdos armados
  • Entre Armênia e Azerbaijão 


“A luta pelo poder continua”
 

“Depois da queda do muro de Berlim, no fim da Guerra Fria e na Guerra do Golfo se acreditou no fim da história. Acreditava-se que com esses fatos teríamos o triunfo da democracia liberal capitalista e o fim dos grandes conflitos, e que a partir dali o mundo entraria numa era de cooperação. Evidentemente que isso não aconteceu", explica o professor de Direito Internacional da Universidade de Fortaleza (Unifor), Paulo Henrique Portela.

 "O mundo continua tendo conflitos, sendo uma seara de desentendimentos, às vezes, de cunho econômico, político, questões religiosas. A luta pelo poder continuou”. 
Paulo Henrique Portela
Professor de Direito Internacional da Universidade de Fortaleza (Unifor)

Esses conflitos são de várias formas e, além das batalhas em si, ressalta ele, no mundo também existem tensões geopolíticas que, vez ou outra, emergem e podem ter desdobramentos violentos. Como o caso das duas Coreias, da China e de Taiwan, a situaçao do Iraque. Essas crises, acrescenta, "ainda não estão resolvidas”. 

“Confronto incomparável”, diz pesquisador


Em relação à dimensão e relevância do conflito entre Rússia e Ucrânia, o doutor em História e integrante do Observatório das Nacionalidades da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Manuel Domingos Neto, ressalta que “é um conflito que não se compara a nada do que já ocorreu na história por duas razões essenciais”. 

Uma, segundo ele, é que poderio russo foi desafiado e “esse poderio é incomparável”, completa. De acordo com o professor, o argumento da Rússia é que  “a instalação de armamento nuclear na Ucrânia tornaria Moscou indefensável. E, em se tornando indefensável, ela perderia o seu peso estratégico”. 

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A segunda razão, diz o professor, é que a Rússia tem uma capacidade de reação muito elevada. De acordo com ele, os demais conflitos que ocorrem no período contemporâneo, em geral, não têm poder, por exemplo, de ameaçar países como os Estados Unidos, outra potência em armamento nuclear. A Rússia, afirma, é uma exceção. 

Para o professor de Direito Internacional da Unifor, Paulo Henrique Portela, é natural que o conflito da Rússia e Ucrânia chame mais atenção agora, pois é o confronto mais recente. Aliado a isso, tem o grande alarme quanto ao potencial de uma escalada para um conflito mundial.  

"Pelo fato de a Rússia ter armas nucleares, pelo porte dos países envolvidos. Os Estados Unidos têm interesse, a China tem interesse. A Ucrânia também não é um país pequeno. Tem muitos países envolvidos em uma escala global. Claro que os demais conflitos são importantes, mas o da Rússia e Ucrânia é o que tem, no momento, o maior potencial global”. 
Paulo Henrique Portela
Professor de Direito Internacional da Universidade de Fortaleza (Unifor)

Ele também destaca que as sanções aplicadas à Rússia mexem com a economia global, por isso, gera muito mais interesse das pessoas. De acordo com Paulo, quanto mais influencia o conflito exerce nos países, mais atenção às populações dirigem a eles. 

Confira detalhes sobre a situação de cada conflito:


Guerra Civil na Líbia (África)

Na Líbia (norte da África), há anos há um conflito interno em andamento. E um contexto de instabilidade econômica, política e social, o território é um dos que vivenciou a chamada “Primavera Árabe” (2010-2012) no qual uma série de revoluções eclodiu em no Norte da África e no Oriente Médio. 

No território líbio, os protestos contra o governo ditatorial de Muammar Gaddafi, chefe de Estado que passou 42 anos no poder, começaram em fevereiro de 2011 e culminaram na deposição e morte do presidente

Nos anos seguintes, houve disseminação do Estado Islâmico e outros grupos armados por todo o território e o país mergulhou em uma guerra civil, afetando os eforços para criar um governo de unidade. 

Os combates contínuos, segundo a Agência da ONU para Refugiados, resultaram em mais 217 mil pessoas deslocadas internamente e aproximadamente 1,3 milhão de pessoas necessitando de assistência humanitária. 

A Líbia deveria ter passado por eleições presidenciais em dezembro de 2021 e as legislativas um mês depois, mas os processos foram adiados por conta de problemas entre os lados do conflito. O país segue em guerra. 

Guerra Civil no Sudão do Sul (África subsariana) 

O Sudão do Sul é o país mais novo do mundo, reconhecido em 2011, surgiu da separação com o Sudão. Enfrenta desde 2013 uma guerra civil. 

Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, das 12 milhões de pessoas no Sudão do Sul, 6 milhões estão em situação grave de fome e carecem de assistência alimentar. 

Os conflitos internos são diversos, de ordem religiosa, política e étnica. Apesar das tentativas de acordo de paz, a guerra civil permanece.  

Guerra no Iêmen (Ásia/Oriente Médio)

O confrontos no Iêmen (um dos países mais pobres do Oriente Médio) tem raízes na Primavera Árabe. Em 2011, uma revolta popular forçou o presidente, Ali Abdullah Saleh, a deixar o poder nas mãos do vice, Abdrabbuh Mansour Hadi.

Em 2014, a guerra civil eclodiu e junto com a fome aguda, chuvas torrenciais, inundações, a crise de combustível, e a corrupção devasta o país. Em 2014, no início do conflito, rebeldes houthis (membros de uma milícia que segue uma corrente do islamismo xiita conhecida como zaidismo) tomaram o controle da capital  e derrubaram o governo do presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi. 

Ele fugiu para o sul e teve apoio das tropas leais ao governo,e reside na Arábia Saudita, sendo reconhecido internacionalmente. Com isso, o país praticamente se dividiu em dois. Os rebeldes controlam a capital, o norte e faixas do oeste. As forças pró-governo controlam o sul e uma boa parte do centro. A ONU estima 233 mil mortes no país desde 2015. 

Guerra Civil na Etiópia (África)

A Etiópia, a segunda nação mais populosa da África, vive uma guerra civil, com participação estrangeira, desde o ano de 2020. 

O estopim do conflito foi a ordem do primeiro-ministro Abiy Ahmed - que recebeu o Nobel da Paz em 2019 - para iniciar uma ofensiva militar contra as forças rebeldes na região do Tigré (Norte do país) origem do partido TPLF, que governou o país africano depois que derrubou o regime ditatorial na década de 1990. 

A violência na Etiópia inclui questões políticas e também étnicas. A fome generalizada é um dos grandes impactos do conflito, além de ataques indiscriminados contra alvos civis. Em 2021, a ONU alertou que a fome é iminente na região de Tigray, na Etiópia, gerou risco de que centenas de milhares de pessoas morressem. 

Guerra no Afeganistão (Ásia/Oriente Médio)

O conflito no país do Oriente Médio foi encabeçado pelos Estados Unidos após os atentados do 11 de setembro 2001. Em 2020, os EUA assinaram um acordo que previa a retirada das tropas americanas do Afeganistão. Em 2021, ocorreu a retirada e o grupo extremista islâmico Talibã retomou o poder em Cabul, capital do país. 

Em paralelo a saída, o Talibã continuou a ofensiva, ameaçando áreas controladas pelo governo. Em agosto de 2021, o Talibã iniciou ataques diretos a áreas urbanas, e chegaram à capital.

O presidente afegão Ashraf Ghani fugiu do país e o governo afegão entrou em colapso. 

A situação é crítica e a ONU Missão de Assistência no Afeganistão (UNAMA) e o Escritório de Direitos Humanos da ONU documentaram quase 111 mil vítimas civis no conflito desde 2009. O impacto, destacam as instituições, é chocante e desproporcional nas mulheres e crianças afegãs.

Guerra Civil na Síria (Ásia/Oriente Médio)

A Síria também integrou a “Primavera Árabe”. Na época, parte dos habitantes protestou contra o governo ditatorial de Bashar al-Assad. O presidente está desde 2000 no poder e a família al-Assad desde a década de 1970.

Os protestos se transformaram em um conflito, inicialmente, entre o governo sírio (apoiado pela Rússia e Irã) e grupos rebeldes anti governamentais (apoiados pelos Estados Unidos, Arábia Saudita, Turquia, dentre outros). 

israel/síria
Legenda: Um soldado israelense faz um gesto para os motoristas de canhões de artilharia nas colinas de Golan
Foto: Jalaa Marey/AFP

Mas, no decorrer dos anos o conflito iterno se tornou ainda mais complexo, e partir de 2014, o Estado Islâmico (EI), invadiu o país e conquistou parte do território.

O conflito tem deixado o país em ruínas, e além das milhares de mortes, compromete a infraestrutura básica do país, como estradas, rede de hospitais, escolas, dentre outros. Não se sabe quando as partes envolvidas irão encerrar o conflito. 

Conflito Israel/Palestina (Oriente Médio)

O conflito entre Israel e Palestina se arrasta há décadas e mistura política e religião. O confronto envolve a disputa sobre a posse do território palestino. O Estado da Palestina é reconhecido por 138 dos 193 membros da ONU, entre eles o Brasil. Já Israel é reconhecido por 164 países. 

A tensão foi acirrada a partir de 1948 quando foi declarada a criação do Estado de Israel. No decorrer do tempo, a disputa já deixou mortos e feridos de ambos os lados, mas maior parte das vítimas é do território palestino.

O conflito, há décadas, é permanente e, em determinados períodos, aumenta a tensão e a escalada de violência. A tensão é constante e existe uma preocupação de que novas insurreições possam eclodir gerando em violência em larga escala. 

Conflito Sahel (países da África)

O conflito armado na região do Sahel Central, na África, já forçou mais de 2,5 milhões de pessoas a fugir das casas na última década. Esse confronto envolve países da região do Sahel (em particular: Mali, Níger, Mauritânia, Burquina Fasso e Chade) e os grupos yihadistas ligados principalmente à al-Qaeda. 

Os países que compõem o Sahel são aqueles que  possuem os mais baixos indicadores sociais do mundo, apesar de terem uma vasta riqueza de recursos naturais, como alguns tipos de minérios e petróleo. 

Conforme a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), uma onda de ataques violentos em toda a região no ano passado deslocou quase 500 mil pessoas. Grupos armados teriam realizado mais de 800 ataques mortais em 2021. 

A ACNUR explica que as pessoas começaram a fugir da região central do Sahel em 2011, após um surto de violência no norte do Mali. Fatores como pobreza, desemprego e a presença de grupos armados nas áreas rurais do norte do Mali forçaram os deslocamentos. 

Conflito Turquia e curdos (Europa/Ásia)

Os curdos formam uma comunidade unida por raça, cultura e linguagem, cuja população é estimada entre 25 milhões e 35 milhões. Eles habitam uma região que se estende por cinco países: Turquia, Iraque, Síria, Irã e Armênia. Os curdos são o quarto maior grupo étnico do Oriente Médio, mas não têm um país próprio.

Governos do Oriente Médio temem que a criação de um território autônomo para os curdos em um país influencie movimentos separatistas em outro. Em 2013, o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) se voltou para enclaves curdos que faziam fronteira com um território no norte da Síria. 

Legenda: Combatente das Forças Democráticas Sírias, aliados aos curdos sírios
Foto: AFP

O EI lançou uma série de ataques, revidados pelas Unidades de Proteção do Povo (YPG) a ala armada do Partido da União Democrática Curda da Síria (PYD). Mas, em 2018, tropas turcas e rebeldes sírios aliados lançaram uma operação para expulsar combatentes do YPG da região. 

O governo turco alega que os curdos, atuam de forma terrorista no nordeste da Síria, e está por trás de ataques em território turco. 

Em 2018,  o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu retirar as forças militares americanas da região na Síria controlada pelos curdos. Isso abriu caminho para uma ofensiva da Turquia, que quer dominar a região. 

Conflito entre Armênia e Azerbaijão (Ásia)

A Armênia e o Azerbaijão são países ex-integrantes da União Soviética e travam conflitos territoriais há décadas na região do Cáucaso, área que a Rússia ao norte do Oriente Médio. O conflito, que teve seu auge no início dos anos 90 com o fim da União Soviética, voltou a sofrer uma escalada no ano de 2020.

A maior disputa envolve o controle da autodeclarada República de Nagorno-Karabakh, na qual a maioria étnica e cultural é armênia, mas geograficamente pertence aos azeris, nativos do Azerbaijão. 

No confronto, armênios argumentam que são a maioria étnica e, por autodeterminação dos povos, têm direito ao controle de Nagorno-Karabakh, já os azeris defendem que a região é território histórico do Azerbaijão.