Saiba como funciona no Ceará o programa de proteção que acolheu menina estuprada no ES

Gerenciado pelo Ministério dos Direitos Humanos, o Provita protege vítimas ou testemunhas ameaçadas de morte ou coagidas por contribuírem em investigações ou processos criminais

Legenda: O Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas de Violência (Provita) não restringe a proteção a tipos específicos de violência.
Foto: Shutterstock

A menina de 10 anos, submetida a um aborto polêmico após ser vítima de estupro no Espírito Santo, foi inserida no Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas de Violência (Provita), segundo confirmou a Secretaria Estadual de Direitos Humanos do Espírito Santo nesta sexta-feira (21). 

Por estarem inseridas no programa, a vítima e pessoas próximas a ela podem, a partir de agora, recorrer a medidas de proteção, como mudar de endereço e até mesmo de identidade.

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Com a ajuda, a criança tem maior garantia de manutenção de sua integridade física e psicológica e de sua reinserção social em um novo território, onde poderá conviver com a família e em comunidade.

O Provita não restringe a proteção a tipos determinados de violência. Considera a gravidade da coação ou a exposição sofrida pela vítima, em razão de sua colaboração com investigações ou processo criminal junto à Justiça.   

E no Ceará? Como ocorre a proteção a vítimas em casos como este? 

Como o Provita é gerenciado pelo Ministério dos Direitos Humanos e constitui uma rede de entidades, as medidas de proteção previstas são as mesmas para todos os estados que aderiram à execução da política pública. Inclusive, o Ceará, onde, neste momento, há 61 pessoas protegidas pelo programa — entre casos acolhidos da rede e do próprio Estado. 

A aplicação das medidas protetivas é que vai diferir de caso para caso, tendo em vista que vários fatores são analisados, como a gravidade da coação ou a ameaça à integridade física ou psicológica da pessoa, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais e a sua importância para a produção da prova

A única regra básica aplicável a todos os casos é a retirada da vítima do local de ameaça. "Existe um manual de procedimentos que é geral, então, todos os estados que implementam [o programa de proteção] seguem as mesmas recomendações e protocolos de segurança", reforça a coordenadora do Núcleo de Assessoria dos Programas de Proteção da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), Rachel Saraiva Leão.

Por se tratar de uma rede, acrescenta a coordenadora, existe ainda a possibilidade de uma proteção integrada entre os estados. "Um caso acolhido aqui no Ceará, em decorrência do risco, da situação de ameaça ou da visibilidade que é dada ao caso, pode ter a proteção realizada em outro estado que tem Provita. E a gente também recebe pessoas de outro estados. A metodologia nacional é uma só e é replicada". 

Embora exista uma série de medidas de proteção, nem todas são aplicadas com frequência. É o caso da mudança de identidade. "Há uma certa resistência das pessoas em mudar o nome porque tem toda uma questão de identidade, de se reconhecer com aquele nome, dos próprios cadastros. É um desafio", pondera Leão.

No caso da menina de 10 anos, ela acredita que a proteção mais incisiva, inclusive com a mudança de nome, deve ocorrer muito mais pela visibilidade do caso do que pelo risco de ameaças de morte.

"As pessoas foram pra porta do hospital, hora protestar, hora apoiar o procedimento [aborto] que estava sendo feito. Consigo compreender a proteção dela muito mais numa perspectiva de resguardá-la dessa celeuma que o caso gerou".

Sobre o Provita 

O Provita é um programa federal, gerenciado pelo Ministério dos Direitos Humanos. Criado em 1998 e instituído pela Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, tem como objetivo proteger vítimas ou testemunhas ameaçadas de morte que tenham sido encaminhadas pelo sistema de Justiça e entidades de segurança pública. A execução do programa no Ceará ocorre por meio da celebração de convênio com o Ministério. As medidas e providência relacionadas ao programa devem ser adotadas, executadas e mantidas em sigilo pelo protegido e pelos agentes envolvidos em sua execução. 

Quando a lei permite a interrupção da gravidez no Brasil?

O aborto conduzido é considerado crime contra a vida humana no Brasil, podendo acarretar em detenção de um a três anos para a mãe, se ela provocar ou autorizar que alguém realize a interrupção. 

A pena ainda pode variar de três a 10 anos de reclusão para aqueles que realizam o aborto sem o consentimento da gestante. Ou de um a quatro anos, nos casos em que há o consentimento. 

Apesar da proibição, a lei permite a realização do aborto, inclusive pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em três situações específicas:

  1. Em gravidez decorrente de um estupro. Nesse caso, o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal;
  2. Em gravidez que coloque em risco a vida da gestante, sem que haja outro meio para salvá-la;
  3. Em gravidez em que a gestante gere um feto com anencefalia (sem cérebro). Em casos como este, o aborto é declarado como parto antecipado com fins terapêuticos, conforme estabeleceu julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012.