TJCE anula mandado de busca coletivo e prisões realizadas em operação em residencial de Fortaleza

Desembargadores acataram pedido de habeas corpus da Defensoria Pública do Ceará, que entendeu que operação da Polícia Civil foi 'criminalização da pobreza'

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
O Residencial Dona Yolanda Queiroz, no bairro Edson Queiroz, em Fortaleza, tem 1.100 residências, que foram alvos do mandado de busca coletivo
Legenda: O Residencial Dona Yolanda Queiroz, no bairro Edson Queiroz, em Fortaleza, tem 1.100 residências, que foram alvos do mandado de busca coletivo
Foto: Isaac Macedo

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) acatou pedido de habeas corpus da Defensoria Pública Geral do Ceará e determinou a anulação de decisão de Primeira Instância que expediu um mandado de busca e apreensão coletivo, cumprido pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) em um residencial no bairro Edson Queiroz, em Fortaleza. Por consequência, também estão anuladas as prisões e as provas geradas em decorrência da Operação Pente Fino.

A decisão foi proferida pela 1ª Câmara Criminal do TJCE, por unanimidade, no último dia 9 de novembro. O relator do processo, desembargador Mário Parente Teófilo Neto, afirma, na Ementa da decisão, que solicitou o relatório da Operação, mas não recebeu o documento no prazo estipulado. "Desta feita, entendo que, embora o relatório da operação fosse útil ao presente julgamento, não é imprescindível, diante dos posicionamentos já estipulados nos Tribunais Superiores sobre a questão (mandado de busca e apreensão coletivo)", pontua.

Segundo o desembargador, a decisão da Vara de Delitos de Organizações Criminosas foi concedida "diante de informações e denúncias da disputa pelo tráfico de drogas por parte de integrantes de facções criminosas da localidade, além da prática de homicídios e ameaças pelos mesmos, os quais inclusive expulsaram moradores do Residencial Dona Yolanda Queiroz". 

E o juiz da Primeira Instância entendeu que "a operação era imprescindível para a comprovação dos fatos de forma mais robusta, obtenção de novas provas que identificassem a relação dos delitos imputados com as organizações criminosas investigadas e identificação dos bens que estavam sendo ocultados, sendo deferida a operação não somente com relação aos 21 (vinte e um) indivíduos mencionados, mas sim em todo o residencial Dona Yolanda Vidal Queiroz", completa Mário Parente.

Mas o magistrado pondera que "contudo, se tem por absolutamente inadmissível o deferimento de busca e apreensão coletiva, como feito em questão, já que, friso, foi deferida operação a ser realizada em todo o condomínio mencionado e, conforme noticiado em veículos de comunicação, a operação vistoriou cerca de 1.100 (mil e cem) domicílios, contando com um efetivo de aproximadamente 300 (trezentos) policiais civis".

Diz-se isso pois, autorizando tal medida, tratam-se as vítimas como autoras dos crimes, já que, além de estarem sofrendo com a invasão e expulsão por parte de organizações criminosas, ainda têm suas casas invadidas e bens apreendidos, sendo tratadas como efetivas suspeitas. Por melhores que sejam as intenções das autoridades policiais requerentes e responsáveis pela efetivação da operação, o ato apenas corrobora com a exclusão social existente em face de moradores de comunidades carentes e com o estigma de que tal violação de domicílio em massa somente ocorre em face de hipossuficientes."
Mário Parente Teófilo Neto
Desembargador do TJCE

O defensor público Bheron Rocha, do do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência (Nuapp), que subscreve o pedido de habeas corpus, afirma que a decisão do TJCE "é importante sob o ponto de vista formal, pelo reconhecimento do habeas corpus coletivo como instrumento hábil a cessar ilegalidades coletivas e a Defensoria Pública como legitimada a impetrá-lo.

E sob ponto de vista material, o reconhecimento como inaceitável de decisões de busca e apreensão coletiva contra comunidades inseridas em processo histórico de exclusão e de carência de concretização de direitos fundamentais como uma face da criminalização da pobreza."
Bheron Rocha
Defensor público

[Atualização: 18/11/2021, às 8h45] No dia seguinte à publicação da matéria, a Polícia Civil do Ceará emitiu nota em que informa que "a operação foi realizada em cumprimento de um mandado judicial e teve como objetivo localizar elementos de provas de crimes como ameaça e coação aos moradores da região, tráfico de drogas, posse de armas e organização criminosa". 

A PC-CE reforça que o trabalho policial teve como objetivo principal a garantia da segurança dos moradores na região, que em sua maioria são pessoas de bem, que acabam vítimas de grupos criminosos que tentam se instalar na área. Investigações da PC-CE apontam que alguns suspeitos usam do artifício da coação e da ameaça para tirar o sossego das pessoas que lá vivem e utilizam imóveis de outras pessoas para esconder ilícitos. Por fim, a PC-CE reforça que acata todas as decisões judiciais."
Polícia Civil do Ceará
Em nota

A ofensiva policial contou com a participação de cerca de 300 policiais civis e o apoio da Polícia Militar do Ceará
Legenda: A ofensiva policial contou com a participação de cerca de 300 policiais civis e o apoio da Polícia Militar do Ceará
Foto: Divulgação/ Polícia Civil

Seis suspeitos foram presos na Operação

A Operação Pente Fino, deflagrada pela Polícia Civil do Ceará na manhã da última quinta-feira (16), resultou na prisão de seis suspeitos, segundo informações divulgadas pela Instituição. Um deles já era considerado foragido da Justiça - ou seja, estava com mandado de prisão em aberto - pelo crime de roubo.

Os outros cinco suspeitos foram presos em flagrante, dentro de suas residências. Quatro deles (três homens e uma mulher), segundo a Polícia Civil, estavam na posse de drogas fracionadas para a comercialização, balanças de precisão e dinheiro e foram autuados por tráfico de drogas. Enquanto outro homem, que tinha uma motocicleta roubada com sinais de adulteração, foi autuado por receptação. Os nomes não foram divulgados.

300
A ofensiva policial contou com a participação de cerca de 300 policiais civis e o apoio da Polícia Militar do Ceará (PMCE) para isolar o perímetro de segurança da região. O Residencial Dona Yolanda Queiroz tem 1.100 residências.

"O nosso objetivo principal é trazer tranquilidade para essa comunidade, tentar localizar essas pessoas que de algum modo estão trazendo insegurança, seja através da tentativa de expulsão, medo, terror ou tráfico de drogas", alegou o delegado geral da Polícia Civil do Ceará, Sérgio Pereira dos Santos, no dia da deflagração da Operação.

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