STJ autoriza entrada de policiais em endereços diferentes do indicado em mandado; entenda a decisão
Representantes de órgãos públicos no Ceará e advogados, ouvidos pelo Diário do Nordeste, explicaram o que muda na atuação policial no Estado
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão em que legitimou a entrada de policiais em endereços diferentes do indicado no mandado judicial, em casos de crimes permanentes. Representantes de órgãos públicos no Ceará e advogados, ouvidos pelo Diário do Nordeste, explicaram a decisão e o que muda na atuação policial no Estado.
A decisão do STJ foi proferida no dia 7 de março deste ano e divulgada no site do Órgão, no último dia 3 de abril. Conforme a publicação, "a ocorrência de crime permanente e a existência de situação de flagrante delito – circunstâncias capazes de mitigar a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio – justificam o ingresso da polícia em endereço diferente daquele que foi indicado no mandado judicial".
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça foi reafirmado em um caso no qual policiais civis - em cumprimento a um mandado de busca e apreensão - teriam se deparado um imóvel (do tipo sobrado), formado por duas casas, sem indicação clara da numeração de cada uma, no Estado de São Paulo. A equipe policial se dividiu, entrou nas duas residências e apreendeu armas de fogo de grosso calibre, munições e explosivos.
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O homem preso com o armamento foi denunciado pelo crime de porte ilegal de arma de fogo. Em um pedido de habeas corpus, a defesa do acusado apontou ilegalidade das provas policiais, ao alegar que o mandado de busca e apreensão expedido pela Justiça tinha como alvo a "casa 2" do sobrado, mas a polícia estendeu indevidamente a busca para a "casa 1".
"Relator do habeas corpus, o ministro Ribeiro Dantas ponderou que, embora a diligência tenha, aparentemente, extrapolado os limites da ordem judicial, o STJ tem precedentes no sentido de que, no caso de crimes de natureza permanente – como o armazenamento de drogas e a posse irregular de arma de fogo –, é dispensável o mandado judicial para que os policiais entrem em domicílio, dada a situação de flagrante delito", concluiu o Superior Tribunal de Justiça.
O diretor de Prerrogativas e presidente da Comissão de Direito Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), Márcio Vitor Albuquerque, esclarece que "a Constituição Federal prevê, no Artigo 5º, que a casa é asilo inviolável. Salvo em caso de flagrante delito".
O que é um crime permanente? É um crime que se prolonga no tempo. No caso do tráfico de drogas ou porte de arma de fogo, esse crime está ocorrendo enquanto a pessoa tiver com a posse da droga ou da arma. Não há necessidade de mandado para exercer o flagrante delito."
O advogado da Associação das Praças Militares do Estado do Ceará (Aspra), Francisco Sabino, ressalta que "no direito brasileiro nenhuma garantia individual é absoluta, sendo possível a sua mitigação, inclusive na inviolabilidade do domicílio, contudo, requer que seja analisado caso a caso, para evitar abusos".
"A decisão de uma das Turmas do STJ (5ª Turma) tem embasamento legal e jurisprudencial, quando se apresentam as situações de flagrante delito previstas no Código de Processo Penal, em seu art. 240 e na ressalva prevista no art. 5º inc. XI da Constituição Federal, pois nos crimes permanentes a situação de flagrância é também permanente, como são os casos dos crimes de porte ilegal de arma e tráfico de drogas, o que prescinde de ordem judicial", completa Sabino.
O presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal no Ceará (Anacrim-CE), advogado Alexandre Sales, acredita que a decisão do Superior Tribunal de Justiça "dá margem para o cometimento de abusos por parte dos executores do mandado, por certo que crimes continuados ou permanentes existem no mundo jurídico e o cometimento destes legitima o flagrante delito".
Já o supervisor das Defensorias Criminais, da Defensoria Pública Geral do Ceará, Aldemar Monteiro, acredita que a decisão da Quinta Turma do STJ "foi proferida para uma situação bem específica" e acrescenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, em Recrepercussão geral (Tema 280), que "o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo (a qualquer hora) quando amparado em fundadas razões (prova da existência do crime e indícios de autoria), devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto".
Sem essas fundadas razões, a prova colhida é ilícita e pode-se apurar eventual responsabilidade civil, administrativa e penal dos policiais", lembra o defensor público.
Denúncia anônima não justifica invasão de domicílio, diz STF
O Supremo Tribunal Federal emitiu outra decisão, na última terça-feira (11), em que considerou que uma denúncia anônima de tráfico de drogas não justifica a invasão de domicílio. A partir disso, o ministro Edson Fachin anulou provas de um processo criminal e absolveu um homem acusado de tráfico de drogas em São Paulo.
"À luz das considerações expendidas, entendo que a situação apresentada não revela a existência de elementos concretos a caracterizar fundada razão de flagrante delito, exigida para autorizar o ingresso em domicílio, sem autorização do morador e sem mandado judicial", concluiu Fachin.
O defensor público Aldemar Monteiro interpreta, conforme a jurisprudência do STF, que "as 'denúncias anônimas' (leia-se: comunicações sem a identificação do comunicador) não justificam a instauração de inquérito policial, busca e apreensão, interceptação telefônica, haja vista que não se sabe se são verídicas. Assim, não se tem as 'fundadas razões' da existência do crime para justificar a situação de flagrante e o ingresso no domicílio sem mandado".
O coordenador jurídico do Sindicato dos Policiais Civis de Carreira do Estado do Ceará (Sinpol-CE), advogado Kaio Castro, afirma que "sem dúvidas, os limites para busca domiciliar em razão de denúncia anônima precisava de um posicionamento da nossa Suprema Corte, pois garante também aos policiais que não sejam encaminhados facilmente às Corregedorias ou ainda sofram sanções penais decorrentes de denúncias genéricas, muitas vezes motivada por inimigos para constranger o outro".
"Este entendimento do STF, apesar de limitar a atuação policial, regula e protege os policiais daquelas situações em que nada é encontrado, como ocorre nos casos de trotes ou uso da polícia para fins pessoais", aponta Castro.
O advogado criminalista e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Leandro Vasques, acredita que as decisões do STJ e do STF partem de casos concretos, de situações particulares.
"A regra – ou melhor, a garantia constitucional – é a de inviolabilidade do lar, a qual é afastada em caso de flagrante delito, desde que haja fundadas razões para o ingresso de policiais na casa em questão. Sabemos que a dura realidade do trabalho policial muitas vezes exige uma ação rápida, sem que haja tempo para maiores elucubrações. O objetivo não é coibir ou dificultar o trabalho policial, mas sim estabelecer critérios mais claros que preservem, por outro lado, a garantia constitucional da inviolabilidade do lar", conclui Vasques.