Quem é o 'Bin Laden' do Ceará, líder de facção que ordenava ataques e mortes de policiais
Por meio de uma interceptação telefônica, as autoridades chegaram à informação de que Wesley Maciel Gomes ordenou queimar uma pessoa viva. Ele foi condenado a 35 anos de prisão
A Justiça do Ceará condenou 13 membros de uma facção criminosa acusados por uma série de crimes, como tráfico de drogas e ataques em via pública. Dentre os sentenciados está Wesley Maciel Gomes, conhecido pelas autoridades policiais como 'Bin Laden'. Wesley é apontado como um dos chefes de uma facção criminosa de origem paulista e tido como uma pessoa com características de 'psicopatia', que agia a 'sangue-frio'. Na ficha, ele carrega a acusação pela morte de um detento que foi queimado vivo e também ordens de assassinatos de policiais.
O homem foi condenado a 35 anos e nove meses de prisão, por liderar e integrar organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico. Recebeu o apelido já na prisão federal, devido a uma tatuagem. Conforme documentos obtidos pela reportagem, 'Bin Laden' praticou graves infrações penais mesmo quando já estava detido em um presídio.
"Para a consecução de seus objetivos criminosos, Bin Laden contava com uma vasta gama de parceiros, criminosos que atuavam como gerentes das “bocas” de tráfico, como “correrias”, como laranjas que forneciam suas contas bancárias para a movimentação do dinheiro escuso, além de executores de outras ações criminosas, tais como ameaças e roubo de veículos, que garantiam a “tranquilidade” e o angariamento de fundos para os negócios ilícitos do denunciado. Bin Laden também se utilizou de cooperados para a combinação de ataques a ônibus e a delegacias de polícia, inclusive com a possibilidade de morte de policiais", aponta trecho da denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE).
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Por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, as autoridades constataram que Wesley Maciel ocupava posto de "Geral do Sistema do Estado do Ceará", responsável pelo controle e disciplina dos membros da facção que se encontram presos, "função respeitada e temida frente aos demais". A defesa de 'Bin Laden' afirma que as acusações são falsas. Ele nega ter traficado, e se reconhece como assaltante "porque era viciado em drogas".
EXPANSÃO DA FACÇÃO NO CEARÁ
A investigação teve início a partir de um relatório da Coordenadoria de Inteligência, a Coin, da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), dando conta de uma possível expansão. no Ceará, de integrantes da facção fundada nos anos 1990 em São Paulo.
O relatório apontou que a organização aumentava a influência no Estado, "ampliando consideravelmente o número de “batismos”, com o objetivo de consolidar o comando de todas as Unidades Prisionais da Região Metropolitana de Fortaleza, frisando, ainda, que a atuação da facção estaria se dando tanto dentro quanto fora dos presídios".
"A organização contava, ainda, com o apoio de “correrias”, peças fundamentais para o funcionamento a contento de sua complexa engrenagem, sendo estes responsáveis pelo desdobramento, entrega, transporte e recebimento de entorpecentes e de dinheiro do apurado do tráfico, além de gerenciarem pontos estratégicos de venda de drogas dentro dos territórios dominados pelo grupo e de fornecerem armas e munições"
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
Com 'Bin Laden' preso, comparsas davam apoio à movimentação do tráfico. As pessoas de confiança seriam João Bosco Cavalcante Bezerra Neto, Glaydson Vital Soares e Diana Nascimento Bastos, esta, esposa do preso e responsável pelo recolhimento dos valores movimentados pela venda de drogas e pelo depósito e transferências bancárias das quantias nas diversas contas indicadas pelo marido.
Consta nos documentos as quais a reportagem teve acesso que Wesley se mostrou um membro engajado e fiel aos objetivos da facção. "Durante uma série de rebeliões que ocorreram nos presídios cearenses nos meses de abril e maio de 2016, como retaliação pela possibilidade de instalação de bloqueadores de celulares nas unidades prisionais, Bin Laden empreendeu uma série de ações criminosas com o propósito de intimidar as investidas do estado. A primeira delas consistiu no comando para que o denunciado João Bosco Cavalcante Bezerra Neto, com o auxílio de comparsas, ateasse fogo a um ônibus no Município de Pacatuba, o que foi prontamente cumprido, ocasião em que o motorista do coletivo teve parte do corpo queimada", expôs o MP.
As autoridades passaram a acompanhar os passos dos suspeitos e foram autorizadas a interceptar ligações telefônicas. Nas conversas, ficaram comprovados os demais crimes, como a morte de um detento "queimado vivo".
VEJA AS TRANSCRIÇÕES:
"...BIN LADEN orienta que JOÃO BOSCO, MATEUS e mais dois meninos irão na 24ª DP,escalar os dois permanentes, tirar as armas deles, soltar todo mundo (presos), tacar bala e matar todos os dois (policiais permanentes), pois são apenas dois 'canas' (policiais) que ficam lá... BIN LADEN diz que "vão invadir a 24 DP, matar os policiais e soltar os presos". BIN LADEN diz que FELIPE, BEIÇÃO e JOÃO BOSCO irão "entrar em uma delegacia, vão soltar os presos, tomar as pistolas e executar os dois policiais"
"BIN LADEN, em conversa com um indivíduo conhecido apenas como LEOZIM, fala em "correr atrás de matar polícia, afirma que quer um particular na linha com uns 'meninozim' a fim de matar um policial, pois é melhor que atacar delegacia. BIN LADEN diz que o menino ali tem uns endereços 'dos canas' no Maracanaú, o NEGUIM. LEOZIM pergunta qual NEGUIM? BIN LADEN afirma que é o NEGUIM HENRIQUE, 'é irmão nosso'. LEOZIM diz que dá certo. BIN LADEN diz que o menino ali vai mandar o carro, afirma: vai pilotar tu, ou o BEIÇÃO, e pergunta se LEOZIM vai com a'45.'(pistola)".
"Ainda foi possível captar áudios em que Bin Laden assume a participação na execução de detentos no interior da unidade prisional Desembargador Francisco Adalberto Barros de Oliveira, conhecida popularmente como 'Carrapicho', local onde cumpria pena em regime fechado".
"...(BIN LADEN) diz que foi buscá-lo dentro da cela e que o acertou várias vezes com uma barra de ferro na região da face e na cabeça. BIN LADEN conta que estava sentindo muito ódio de DIANA e que descontou todo o ódio em sua vítima. Ao final do diálogo, o denunciado ainda faz ameaças a DIANA e a um casal de amigos”
"O denunciado se refere, ainda, a morte de um detento que foi “queimado vivo” e de um outro que “antes de morrer pediu para morrer no coquetel (termo geralmente utilizado para designar a mistura de cocaína com café) para não sentir dor para morrer”. Durante todo o tempo em que assume a autoria das mortes, Bin Laden envia os vídeos das execuções à companheira e refere-se a si próprio como “frio” e “psicopata”. Bin Laden chega a pedir que Diana compre um “calção verde”, pois o dele estaria “sujo de sangue” e que o escondeu “para não ter mais problemas”.
CONDENAÇÕES
Além de Wesley Maciel, foram condenados: João Bosco Cavalcante Bezerra Neto, Glaydson Vital Soares, Viviane Ferreira da Silva, Elizabeth de Melo Nunes, Luiz Antônio de Souza Silva, Rafael Duarte de Lima, Diana Nascimento Bastos, James Moreira Barreto, Geneceuda Moreira Barreto, James Moreira Barreto, Francisco Sérgio Oliveira de Freitas, Francisca Verilene Monteiro Freitas e David Bruno de Sousa Maciel.
Para Elizabeth, Geneceuda, Francisca, Diana e Viviane foi concedido direito de recorrer em liberdade. Já aos acusados Wesley, João Bosco, Glaydson, Luiz Antônio, James, Francisco Sérgio e David Bruno (único foragido), negado direito de apelar da sentença em liberdade.
FUNÇÕES DENTRO DA FACÇÃO:
Na denúncia, o órgão acusatório elencou cada função exercida pelos acusados. Veja:
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João Bosco - um dos principais executores das ordens emanadas por Bin Laden
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Glaydson Vital Soares - responsável pelo apoio logístico do tráfico, incumbido de receber entorpecentes, armamentos e munições, assim como recolher o pagamento da droga vendida, além de cumprir outras ordens do cabeça do grupo. Estava envolvido no planejamento de ataques contra delegacias e contra policiais
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Viviane Ferreira da Silva - companheira de Glaydson Vital. Guardava entorpecentes e armamentos, auxiliava o grupo em assuntos financeiros/bancários, além de receber e repassar ordens e materiais ilícitos
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Felipe Farias dos Santos - um dos principais correrias que compõem a estrutura da organização criminosa. Envolvido no planejamento de atentados contra delegacias de polícia e policiais
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Antônio Gilvan Ferreira Barros - transportava e distribuía drogas e dinheiro do tráfico pertencente ao grupo
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Elizabeth de Melo Nunes - transportava e distribuía drogas e dinheiro do tráfico pertencente ao grupo
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Luiz Antônio de Souza Silva - membro da organização criminosa, sendo responsável, predominantemente, pelo armazenamento do entorpecente negociado, pela revenda e pelo recolhimento de pagamentos de outros associados para seu “chefe"
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Rafael Duarte de Lima - função de guarda, pesagem e separação de grande quantidade de drogas
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Diana Nascimento Bastos - gerenciava o dinheiro do tráfico mobilizado pelo grupo do companheiro
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David Bruno de Sousa Maciel - intermediava recebimento de vendas de drogas
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Francisca Verilene Monteiro Freitas - exposa de David Bruno, auxiliava na negociata
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James Moreira Barreto - companheiro de cela de David Bruno. Recebia e revendia entorpecentes
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Geneceuda Moreira Barreto - revendia drogas
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Bruna Castelo Branco da Silva - revendia drogas
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Francisco Sérgio Oliveira Freitas - um dos responsáveis por abastecer o grupo com armas e munições
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Francivaldo Barros de Lima - correria de Francisco Sérgio
'Bin Laden' negou todas as conversas que estão na denúncia a partir da interceptação telefônica. Segundo ele, nunca fez parte de organização criminosa e que quando foi para o Sistema Penitenciário Federal ficou na ala da facção paulista, mas não integra o grupo.